Continuo com Simone de Beauvoir, no centenário do seu nascimento.
Le Deuxième Sexe foi certamente uma das maiores «pedradas» que levei como leitora, no início da idade adulta. Estudante recém-chegada a Lovaina, no fim da década de 50, com uma mala quase de cartão, ida desta west coast salazaríssima e com dezanove anos – tentem imaginar o cenário. Apanhei então, em cheio, a grande repercussão desta obra na Europa francófona (*).
Le Deuxième Sexe esteve longe de ser um manifesto militante ou um qualquer arauto dos movimentos feministas que, em França, só viriam a surgir quase duas décadas mais tarde. Mas os espíritos não estavam preparados para a problemática da libertação da mulher, tal como Simone de Beauvoir a abordou, nem para a crueza da sua linguagem.
As reacções não se fizeram esperar, tanto à esquerda (onde o problema da mulher estava fora de todas as listas de prioridades), como, naturalmente, à direita. François Mauriac escreveu: «Nous avons littérairement atteint les limites de l’abject», Albert Camus acusou Beauvoir de «déshonorer le mâle français».
Para a compreensão e a consagração da obra foi decisivo o sucesso nos Estados Unidos, onde foi publicada em 1953. O movimento feminista, em que Betty Friedman e Kate Millet eram já referências, estava aí suficientemente avançado para a receber.
Efeito boomerang: Le Deuxième Sexe «regressou» à Europa no fim da década de 50, com um outro estatuto, quase bíblico, e teve a partir de então uma longa época de glória. Tornou-se, de facto, o livro fundador do pensamento feminista.
Paralelamente, iam sendo publicadas outras obras da autora, como a trilogia das Memórias – o que mais apreciei de tudo o que dela li e que não foi pouco (**).
Simone de Beauvoir nunca provocou grandes empatias e foi sempre objecto de discussões sem fim (que duram até hoje) sobre a sua importância relativa quando comparada com a de Sartre.
Mas, goste-se ou não, estava no centro do Olimpo que Paris era então para nós – quando, no Café de Flore, toda a gente vivia envolta em fumo e Juliette Greco cantava «Il n’y a plus d’après».
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(*) Le Deuxième Sexe, Vol. I – Les Faits et le Mythes, Vol. 2 – L’Expérience Vécue, Gallimard, Paris, Juin / Novembre 1949.
(**) Mémoire d’une jeune fille rangée (1958), La force de l’âge (1960), La force des choses (1963).
2 comments:
seria interessante discutir a frase da Beauvoir à luz da biologia e neurologia actuais.
Avance Cristina com o saber dessas ciências laboratoriais e obscuras... Aprenderei sempre....já que nunca tive tempo para apreciar a obra da filósofa / escritora.... cordialmente jrdm
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