«Porque outros assuntos se interpuseram, demorei a chegar a um tema que, com a atual velocidade mediática, já parece fora de prazo. Ainda assim, não quero deixar passar como mero episódio de campanha o que aconteceu no Mercado do Bolhão, no Porto, na semana passada. Para que o “sempre se fez isto” não se torne evidente, banalizando o que é inaceitável.
Um governo que aproveita revelações embaraçosas sobre o primeiro-ministro para impor umas eleições num momento que lhe parece economicamente mais conveniente precisa de uma boa dose de descaramento. É de esperar, portanto, que toda a campanha de Montenegro seja a esticar a corda. O governo caiu há poucas semanas e já foram entregues sete queixas por utilização de meios do governo para campanha partidária, que a lei impede. A próxima deverá ser a inauguração de um equipamento de águas ao Algarve pela ministra do Ambiente, cabeça de lista da AD pelo distrito de Faro.
Com mais ou menos intensidade, tudo isto é habitual. Não é de hoje que os partidos no poder usam o governo para fazer campanha eleitoral. Que se multiplicam em inaugurações de novas e velhas obras. Nas últimas décadas, as coisas até melhoraram, porque a maturidade dos eleitores tornou este tipo de propaganda menos eficaz.
A estes abusos, mais habituais em autárquicas, a Comissão Nacional de Eleições foi sempre reagindo, até com excessos, proibindo cartazes meramente informativos que anunciam obras. Alguma coisa terá mudado, segundo acusação de Marcos Perestrello: os membros da CNE nomeados pelo governo, geralmente técnicos de serviços do Estado (houve exceções), passaram a ser chefes de gabinete e assessores, que votam sempre em bloco com o PSD. O que anula o papel essencial do regulador.
O facto de sempre ter havido confusão entre Estado e partido não torna tudo igual. O que aconteceu no Bolhão ultrapassa tudo o que conhecíamos até hoje. Não me recordo de um Conselho de Ministros (inútil e sem agenda) ter sido transformado numa arruada, para a qual foram mobilizados militantes, convocados por SMS pela estrutura partidária local. Mas bate certo com um governo que assina comunicados de imprensa sobre a vida empresarial de Luís Montenegro quando este nem sequer era primeiro-ministro.
Cereja em cima do bolo: o dia foi aproveitado para, em Lisboa, Hugo Soares anunciar a candidatura de Pedro Duarte à Câmara de Porto. Como Pedro Duarte estava no Conselho de Minist... perdão, na arruada, este também foi o momento para, na prática, ali se apresentar como Ministro dos Assunt... perdão, candidato a presidente da Câmara Municipal do Porto. Hugo Soares disse que foi uma “feliz coincidência”. O descaramento com que estes caciques locais, habituados aos pequenos esquemas do pequeno poder, mas agora projetados para o plano nacional, gozam com a inteligência dos cidadãos é mais revoltante do que os seus atos. Lembram-se de Montenegro a passear de barco pelo Douro à procura de um morto, para uma oportunidade de campanha?
Luís Montenegro desvalorizou, como desvaloriza toda a ética política. Disse que nenhum português vai votar na AD por causa daquele momento. O problema não é a eficácia da trafulhice, é a trafulhice. E a trafulhice de usar meios materiais, simbólicos e políticos do Estado para fazer campanha partidária.
A confusão entre Estado e partido é sinal de subdesenvolvimento democrático. Costuma acontecer quando um partido está há demasiado tempo no poder. São os próprios governantes que deixam de conseguir perceber o seu lugar. Na Madeira, governada pelos mesmos há 50 anos, a distinção é impossível e essa é uma das causas da degradação política na região, com altíssimos custos para o seu desenvolvimento e a sua democracia. Mas Montenegro só está no poder há um ano. A velocidade com que ganhou os piores hábitos, o “à vontadinha” com que se comporta, é um aviso para o futuro. Se é assim ao fim de um ano e com uma maioria frágil, imagine-se o que faria com a “estabilidade” que pede.»
1 comments:
Pedro Nuno Santos tem desperdicado ocasioes soberanas para construir um PS moderno e combativo.Um ano de oportunidades perdidas e o movimento neo-populista do sr. Ventura a colar-se no espaco politico com um atrevimento despudorado e barbaro de tentativas indesculpáveis e altamente tóxicas,é um balanco preocupante. A familia le Pen demorou 50 anos a mentir e o seu exemplo de alternancia com Marine, só há 2 ou 3 anos gerou uma hipótese de ser alternativa à Esquerda Democrática francesas. E os Ecologistas e La France Insoumise de Mélenchon alteraram tacticas e estabeleceram pontes de accäo com o PCF e os trotsquistas de Besancenot, contando também com
a solidariedade de grupos de iniciativa anarco-autogestionária.Niet
escalada eleitoral da filha
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