5.12.25

Viva a fractura de ossos

 


«Em Fevereiro de 2009, o piloto italiano Valentino Rossi, nove vezes campeão do mundo de motociclismo, foi levado para o hospital na sequência de um acidente. Ele estava em casa, a fechar as cortinas de uma janela, quando escorregou e caiu em cima de uma mesa de vidro, cortando-se na mão direita e no pé esquerdo. O caso proporcionou tantos comentários jocosos como observações que se costumam fazer em funerais. Pessoas mais inclinadas para detectar ironias sugeriram o uso obrigatório de capacete sempre que fosse necessário lidar com os perigosos cortinados; cidadãos mais amigos de reflectir sobre a existência a partir de lugares-comuns escolheram sobretudo os populares clássicos “isto basta estar vivo” e “Deus é que sabe”.

Dez anos depois da queda de Valentino Rossi, um menino de 11 anos partiu uma perna a jogar à apanhada, no recreio do colégio que frequenta, em Braga. Desde essa altura, a sua mãe tem tentado convencer vários tribunais a declarar perigoso o jogo da apanhada, mas sem sucesso. Na semana passada foi o Supremo Tribunal de Justiça a recusar a pretensão da mãe, que promete continuar a interpor recursos. As mães do meu tempo também se preocupavam com a segurança dos filhos. As maiores obsessões da minha eram que eu tivesse cuidado a atravessar a estrada e não aceitasse doces de desconhecidos. Carros e drogas eram os maiores perigos que ela identificava. Mas agora o mundo parece estar mais perigoso, e há mães que consideram que as crianças devem ser protegidas da apanhada. O problema é que, sendo verdade que é possível partir uma perna a brincar à apanhada, essa não é a única actividade escolar que pode provocar lesões, como a minha experiência de aluno do ensino primário me foi indicando. Há quem esfole os joelhos a jogar à bola. Ou apanhe herpes a jogar ao bate pé (um abraço, Susaninha). Uma vez, um colega meu engasgou-se com um papo seco, sem que a sua mãe tenha tentado que um tribunal declarasse perigosa a ingestão de pão. Há quem aponte este caso como um exemplo dos problemas desta nova geração, superprotegida pelos pais, mas é na verdade um problema da minha, superprotectora dos filhos. Creio que a Justiça deve continuar a não proibir a apanhada. Mas não sei se um tribunal não devia considerar perigoso este tipo de maternidade.

Espero que a identidade do miúdo, agora com 17 anos, continue a ser reservada, para que nunca ninguém saiba quem ele é. Ser o rapaz cuja mãe quer proibir a apanhada faz muito pior à saúde do que partir uma perna.»


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