«Quando cai aos trambolhões do céu uma crise que todos esperavam, mas que ninguém julgava que pudesse acontecer durante o seu mandato, os políticos e os responsáveis utilizam várias tácticas ensinadas pelos irmãos Marx. Uns, como Chico, dedicam-se a jogar cartas e a tocar piano só com a mão direita (porque nunca aprenderam a fazê-lo com a esquerda). Outros fazem como Groucho: são quimicamente puros, pegando em charutos enquanto falam sem dizer nada; alguns são angelicais como Harpo, só movem os lábios e em vez de falar usam uma buzina para se exprimirem. Quem está na plateia habituou-se ao jogo das aparências: habituados à ética do cinema somos quase incapazes de imaginar heróis complexos. Queremos que os maus sejam maus e os bons trabalhem durante 24 horas sem tempo para descansar ao domingo. Por isso nem actores nem espectadores conseguem já suportar a realidade: os pecados repartem-se por todos, mas ninguém quer assumir os seus. Como a obesidade ou a celulite, a culpa é hoje um conceito relativo.
Em Portugal, como já muitos disseram, a culpa é uma solteirona, como se dizia antigamente. Não casa com ninguém. Olha-se para a estreita estrada municipal (outrora nacional), num equilíbrio instável entre pedreiras, e julga-se estar a assistir a uma imagem da Lua ou de Marte. Não é: fica ali, junto a Borba. A estrada era uma equilibrista: lutava para não cair, sem rede por baixo. Mas não estávamos num circo, ou julgávamos não estar. Como sempre acontece em Portugal ninguém viu, ninguém tomou decisões, ninguém fez vistorias, ninguém interditou. Todos sabiam e ninguém sabia. Agora que o desastre anunciado aconteceu, com mortos à mistura, prometem-se inquéritos rigorosos. O costume. É esta a fragilidade do nosso país: desenrascamo-nos. Fazemos isso com a dívida pública e privada, com o estacionamento, com os negócios, com os aeroportos, com as alas pediátricas. Esperteza saloia e desenrascanço. Até que batemos com a cabeça na parede e ficamos com um galo. Mas depois esquecemos. E tudo volta à velha fórmula.»
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1 comments:
Atenção ao Viaduto Duarte Pacheco. O Professor Edgar Cardoso deixou-nos um alerta. Já depois da sua morte, em 2003, beneficiou de grandes reparações mas daí para cá não ouvi falar mais nisso.
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