«A Grã-Bretanha sempre desconfiou da Europa e esta nunca confiou em Londres. Está tudo exemplarmente descrito num velho episódio de "Sim, Sr. Ministro".
Nele, o secretário permanente Sir Humphrey diz: "Ministro, a Grã-Bretanha tem a mesma política externa há pelo menos 500 anos: criar uma Europa desunida. Por isso lutámos com os holandeses contra os espanhóis, com os alemães contra os franceses, com os franceses e italianos contra os alemães e com os franceses contra os alemães e os italianos. Dividir e reinar. Porque é que iríamos mudar agora, se correu tão bem?" Jim Hacker fica perturbado e Humphrey continua: "Tínhamos de destruir essa coisa, a CEE, e por isso tivemos de entrar nela. Tentámos quebrá-la do exterior, mas isso não funcionou."
Mesmo não entrando para o euro e, com isso, impedindo que, com a força do petróleo do mar do Norte, a moeda europeia fosse uma alternativa global ao dólar, a Grã-Bretanha não conseguiu quebrar o sonho hegemónico europeu de Paris e Berlim. Agora depara-se com a mais temível consequência da sua estratégia: a Europa uniu-se para humilhar o Reino Unido e este entrou em clima de guerra civil. Todos estão contra todos: tories contra tories, trabalhistas contra tories, escoceses contra ingleses, londrinos contra quem não é da capital. Para dividir ainda mais as hostes, a fronteira irlandesa é uma enxaqueca sem fim.
Este já não é um dilema de Hamlet, entre ser ou não ser. É entre ser sem o parecer. As tropas do Brexit, com Jacob Rees-Mogg à frente, parecem a carga da brigada ligeira: conduzem um país essencial à Europa para o suicídio. A Europa, extasiada e incapaz de perceber as consequências catastróficas da humilhação de Londres, prepara a espada para o haraquíri. O Reino Unido era fundamental para equilibrar as tentações de liderança de Berlim e os arrufos de Paris. Agora, se Theresa May cair, é expectável o caos no Reino Unido: não há um líder alternativo para unir, apenas grupos para desintegrar o que ainda existe. Sir Humphrey há-de regressar um dia para explicar que estratégia há para a política interna britânica.»
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