29.4.23

A justiça a fazer figura de recurso

 


«A notícia segundo a qual alguns dos crimes de que José Sócrates estava acusado já começam a prescrever enche-me de esperança. De acordo com o Expresso, o tribunal concedeu ao antigo primeiro-ministro três meses para arguir nulidades e irregularidades numa decisão judicial anterior e mais 120 dias para um eventual recurso. Somados todos esses prazos, quando finalmente estiverem reunidas condições para julgar os alegados crimes, eles já terão prescrito. É frequente ouvirmos a queixa de que já não há políticos que façam sonhar. Não é verdade. Parece-me que José Sócrates continua a ser uma inspiração para todos. Acusado de ilegalidades, Sócrates contrapõe com o escrupuloso cumprimento da legalidade. A sua obsessão com o rigor legal é de tal ordem que o sistema não consegue responder em tempo útil a todas as suas objecções. Às acusações de ilicitude, Sócrates responde com a defesa clássica “quem diz é quem é”, apontando aos seus acusadores os mais reles atropelamentos das regras. E é cada vez mais difícil acreditar que alguém com tamanho amor pela legalidade possa alguma vez ter infringido a lei. Ele apresenta recurso após recurso, evidenciando além do mais uma excelente ironia semântica: recorrer não é correr duas vezes; é andar ainda mais devagar.

Como é evidente, preocupa-me o tempo gasto nestes gigantescos processos que acabam inevitavelmente arquivados, mas creio que não faz sentido continuarmos a queixar-nos da morosidade da Justiça. Está na altura de aceitarmos que o sistema funciona assim: os processos arrastam-se durante décadas, o acusado acaba por não ser julgado, o processo é arquivado pelo neto do magistrado que o instaurou. Não vale a pena tentar mudar o procedimento, que será sempre este. Já percebemos. A única coisa a fazer é admitir que o desfecho é sempre o mesmo, e abreviar. Proponho que, a partir de agora, os arguidos sejam notificados da acusação e também do respectivo arquivamento, dentro de 25 anos. Mas o Ministério Público faz também um cálculo das despesas que o arguido terá com advogados e recursos, nessas duas décadas e meia, e cobra três quartos dessa verba, fazendo um desconto de 25% ao acusado. Toda a gente beneficia. O próprio Código Penal deve ser corrigido. O crime de branqueamento de capitais, por exemplo, passa a ter pena de 15 anos em recursos e adiamentos, remível em multa equivalente a 10 anos de honorários de advogados de grandes escritórios, mais custas judiciais. Em vez de um Código Penal, passamos a ter uma Ementa Penal, com a lista de crimes disponíveis e o preço respectivo. Esta semana, a falsificação de documentos está muito em conta. Vou aproveitar.»

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