«Em muitos aspetos, Portugal sofre as consequências da sua história. E isso é evidente no que diz respeito ao jornalismo que se pratica. E nas relações que os cidadãos reclamam ter com os jornais e que estes procuram manter com eles.
Comparados com os de boa parte dos países da Europa ocidental, o aparecimento e o desenvolvimento da imprensa em Portugal são tardios. Que se trate da instalação do primeiro prelo, como dos lançamentos do primeiro semanário ou do primeiro diário. Até porque em termos de geografia física como de geopolítica, Portugal viveu longe da Europa onde se operavam as grandes iniciativas na matéria. Mas também porque a Igreja Católica tudo fez, aqui como noutros países de influência católica, para manter “o povo de Deus” no analfabetismo (ao contrário do protestantismo que quis que ele pudesse ter diretamente acesso à Bíblia e demais “textos sagrados”).
Consequência deste vasto analfabetismo, quando a imprensa dita popular surge, os grandes títulos como o Diário de Notícias (em 1865) e O Século (em 1881) nunca atingem tiragens de diários de países europeus com demografias comparáveis. A instabilidade política e social da Primeira República, e a repressão permanente do Estado Novo em nada contribuíram para a afirmação de uma imprensa e de um jornalismo fortes. E Portugal chega ao 25 de Abril com uma taxa de analfabetismo elevada e sendo um dos raríssimos países da Europa ocidental a não dispor de uma formação académica em jornalismo. Até mesmo os comparsas fascista, nazi e franquista do salazarismo tinham criado escolas nesta área profissional.
Quando Portugal pode enfim viver em liberdade e democracia, condições indispensáveis a uma prática jornalística no sentido forte do termo, o país encontra-se com uma “classe” desprovida de sólida formação profissional e geralmente mesmo de formação superior em qualquer outra área. “Classe” que se manterá aterrada pela dolorosa lembrança da Censura e da autocensura. Enquanto jornalistas e leitores, à imagem da eclosão social a que o 25 Abril abriu portas, passam a adotar uma conceção desabrida da liberdade, marcada pelo ferrete do individualismo. O que leva jornais e jornalistas a práticas insustentáveis e de certo modo suicidárias.
Porque um jornal é uma entidade com personalidade própria, necessariamente dotada de sensibilidade, de coluna vertebral, em conformidade com um projeto societal inicial. Condições essenciais para tornar possível a proximidade e a identificação com o seu público. Pelo que não pode ser uma manta de retalhos de conteúdos heteroclíticos em termos de démarche intelectual e de prática profissional. Muito menos uma espécie de painel de afixação onde qualquer colaborador exterior ou simples leitor pode publicar aquilo que lhe dá na real gana, à revelia dos princípios editoriais que norteiam o jornal.
A paisagem jornalística escrita portuguesa é terrivelmente pobre em termos de diversidade: os pretensos diários “nacionais” generalistas impressos não são mais de cinco, a que vem juntar-se um digital mais ideológico do que informativo. O que explica que os editores (no sentido original da palavra) façam estranhos cálculos de base: o jornal não deve tomar posição nos grandes debates de sociedade e tem que ser aberto às posições mais contrastadas e até contraditórias, em nome de um extravagante pluralismo. Pensam assim ser capazes de acolher toda a espécie de públicos, quando de facto fazem afastar muitos dos que foram fiéis leitores.
Perante a seleção de “peças” que correspondem ao projeto editorial, à qualidade de escrita e de argumentação do jornal, os autores (internos e externos) cujas produção é excluída rotulam isso de “censura”. Quando se trata quase sempre de simples aplicação de critérios editoriais previamente definidos e consignados por vezes num “livro de estilo” cuja preocupação prioritária é a qualidade do conteúdo proposto aos leitores. Uma séria aplicação destes critérios e uma exigente produção jornalística supõe, porém, uma equipa de redação qualificada numerosa. Como implica uma formação teórica e prática prévia que não parece ser o que propõem as escolas de (ciências da) comunicação bem pouco jornalísticas que proliferam pelo país fora…»
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