9.5.24

Quando é que viste o mar pela primeira vez?

 


«A pergunta que titula esta crónica foi-me colocada recentemente depois de eu ter referido onde vivia. Não me aborreci com a questão, mas percebi que tinha havido uma leitura imediata ao jeito de: "Oh! Esta vem de lá de trás dos montes e montanhas..." A pessoa que me fez a pergunta estava igualmente surpresa por lhe ter dito que a praia mais próxima era a da Costa Nova e o quão dela gostava. Mas respondendo à sua curiosidade, mostrei-lhe fotografias minhas em bebé, na praia da Figueira da Foz, juntamente com as minhas irmãs e irmão.

Lembro-me dessas idas, já em criança, acontecerem bem de madrugada, para aproveitar o dia e regressar no mesmo. Muitas vezes a chegada à praia às primeiras horas era uma desilusão, só camuflada com os cobertores e os kispos que a minha mãe levava. Nos dias de sorte, já havia sol às dez da manhã, sem aquela neblina matinal própria da maioria das praias do centro e norte do país. Mas o dia passava rápido e as sandes de atum, elaboradas na hora pelo meu pai, eram a iguaria que eu mais desejava saborear, a par dos gelados prometidos no regresso.

Mas, para muitas pessoas que vivem no interior do país, a ida à praia não acontece nem em bebé, nem em criança, nem muitas das vezes em adulto. A realidade era mais visível no passado, quando associações e coletividades promoviam a visita das crianças à praia, para ver o mar. Hoje, noto que esse tipo de iniciativas já não acontece com a mesma frequência, não significando, contudo, que seja dado adquirido para todas as crianças e jovens do interior terem acesso ao mar, num país à beira mar plantado. E isso, de alguma forma, entristece-me. Continuamos a ter um país com muitas desigualdades, e onde é uma utopia, afirmar-se que todos temos as mesmas oportunidades. Isto não quer dizer, que quem vive no interior, não tenha outras formas de entretenimento e lazer que permitam igual fruição. Mas, para muitos pais e mães, proporcionar umas férias longe da realidade que conhecem diariamente, é impossível, aliás continua a ser impossível.

Voltando à questão inicial e apesar de não me ter aborrecido com a pergunta "quando é que viste o mar pela primeira vez?", não posso deixar de ver algum preconceito das pessoas que vivem nos grandes centros, maioria no litoral, relativamente aos portugueses que vivem em zonas mais interiores. São as brincadeiras já pouco criativas com os sotaques, é um certo paternalismo e tom condescendente exagerado para com os "velhinhos" à soleira da porta, são as entrevistas de emprego, com a arrogância e o desprezo do esforço de uma viagem de comboio, de autocarro, para ouvir: "Onde fica essa terra?"

Quem está longe dos grandes centros, sabe que a luta por um lugar ao sol, seja estendido na praia marítima ou abraçando uma proeminente carreira profissional, está dependente de um esforço redobrado e será hipocrisia negar essa evidência. Aliás, a ascensão e protagonismo mediático de alguns jovens da nossa praça, a mais não se deve do que a uma evidente elite que gravita em torno da capital e onde a geografia ainda dita futuros e visibilidade.»

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