3.8.18

Tempos inquietos e de poucas respostas



«Sir Walter Bagehot, o criador da revista "Economist", escreveu um dia que: "Para os ricos é difícil de entender porque é que os pobres, quando têm fome, não tocam a campainha para que lhes sirvam o jantar." No século XIX, quando Bagehot viveu, a separação entre ricos e pobres era clara. A democracia de consumo iludiu essa diferença, mas o regresso da idade da austeridade, com o descalabro das contas públicas de diferentes Estados em todo o mundo, parece estar a fazer com que estejamos a regressar aos tempos descritos por Charles Dickens. Depois de 30 anos de vitória das teorias liberais nascidas da escola austríaca e postas em prática por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, da hegemonia financeira permitida pela globalização e da colocação da classe política (mesmo à esquerda) como gestora dos interesses do mercado, todo o toque de Midas prometido parece ter começado a transformar ouro em chumbo. Não há certezas e as sociedades, após a globalização financeira, estão a fechar-se. O comércio e o dinheiro circulam, mas as pessoas voltam a ter entraves para atravessar fronteiras.

A própria situação de Portugal no quadro desta crise da União Europeia e da sociedade ocidental não surge por mero acaso. Se o capitalismo tem uma capacidade notável para se reinventar, não é menos verdade que o crescimento do desemprego e o decrescente poder de compra das classes médias parece estar a pôr em causa o contrato social sobre o qual foi erigida a democracia ocidental e o Estado social. Vivemos tempos de inquietação.

Em Portugal, claro, apenas se discute a espuma dos dias (as aventuras imobiliárias de Robles, se há comboios amanhã, porque no Algarve há médicos nos hospitais privados e não os há no SNS), sem profundidade alguma. No meio de tudo não há uma discussão séria sobre uma estratégia de transportes rodoviários em Portugal, sobre o financiamento a prazo do SNS, sobre as alterações climáticas que vão colocar este país à beira de fogos incontroláveis durante muitos períodos do ano, sobre os limites das migrações. Em Espanha, por exemplo, após a política de "braços abertos" de Pedro Sánchez, assiste-se agora a uma discussão sem paralelo sobre a capacidade espanhola de albergar dezenas de milhares de migrantes, sobretudo depois de alguns terem utilizado, para entrar, cal viva, deitando-a para cima de polícias e queimando-os. Essa discussão não faz parte do nosso dia-a-dia político, como se fosse desnecessária.

Há também um outro tema que rapidamente vai ser fulcral: o do turismo. Este ano já se assiste a um refreamento da "loucura" dos turistas para vir para Lisboa ou para o Algarve. Melhor (e mais barata) oferta em países do Mediterrâneo, a política de praticar preços obscenos em restaurantes e alojamento, qualidade deficiente, oferta cultural e divertimento muito sofrível, transportes públicos miseráveis, são questões que estão a minar a chamada galinha dos ovos de ouro há alguns anos. Se este sector entrar em declínio, para valores mais normais e estáveis, que se irá fazer? Nada disso se discute, numa sociedade em completa mutação. Mas será com esse novo mundo que a classe política se terá de defrontar daqui a pouco tempo. E terá de ter ideias para ela. De outra forma algum radicalismo as terá por eles.»

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