17.3.23

Valha-nos São Francisco Xavier com urgência

 


«A notícia da demissão em bloco dos chefes de equipa de urgência de medicina interna do Hospital São Francisco Xavier dá-nos alguma esperança. Talvez haja médicos a menos no bloco operatório, mas continua a haver bastantes nas demissões em bloco. Já não é mau. Sempre é uma notícia em que podemos ler as palavras “médicos” e “bloco” juntas. Refrescante. Além disso, ninguém notou ainda que a precariedade dos serviços do São Francisco Xavier é, na verdade, uma bonita homenagem a São Francisco Xavier. Em primeiro lugar, porque São Francisco Xavier fez voto de pobreza, pelo que a abundância de recursos no seu hospital até poderia melindrá-lo. Em segundo lugar, porque São Francisco Xavier morreu de uma febre, maleita suave e de tratamento relativamente fácil que ainda assim não foi tratada, risco que também corre quem hoje se dirige ao São Francisco Xavier. Finalmente, porque São Francisco Xavier foi sepultado em Goa, mas o seu úmero direito foi transportado para Macau, onde está exposto num relicário de prata — uma subtil lembrança de que um paciente pode estar num sítio mas ter urgência de ortopedia a centenas de quilómetros.

Já o encerramento nocturno da urgência pediátrica do Hospital de Torres Vedras e o fecho da urgência pediátrica do Hospital de Loures ao fim-de-semana podem ser vistos como uma oportunidade. Hoje é bastante raro ocorrerem chatices; o mais das vezes, são oportunidades. O presidente da Liga dos Bombeiros, infelizmente, não tem o paladar educado para detectar oportunidades e diz que não tem capacidade para andar a transportar doentes de um hospital para outro a este ritmo. Mas quem está atento aos efeitos positivos das dificuldades percebe bem que este poderá ser o futuro de Portugal. Neste momento, não temos grande capacidade para receber e tratar doentes, mas estamos cada vez mais especializados no transporte de doentes. Há que investir nisso com convicção. A minha proposta é encerrar todos os hospitais e despedir todos os médicos e enfermeiros. E investir o dinheiro poupado em ambulâncias e motoristas. Os doentes passam a dirigir-se a uma central de transporte e apanham uma ambulância para o hospital espanhol mais próximo. Nessas unidades hospitalares os nossos doentes até podem ser observados por médicos portugueses, que já emigraram para lá em busca de melhores condições. Os motoristas aproveitam e abastecem as ambulâncias em Espanha, onde o combustível é mais barato. O Ministério da Saúde extingue-se e passa a ser uma Secretaria de Estado do Ministério dos Transportes. E é um modo de combater a desertificação do interior, porque as pessoas talvez prefiram passar a viver cada vez mais próximo do sistema de saúde espanhol. São só vantagens.»

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