«Ninguém se imagina a envelhecer… até envelhecer. Ninguém imagina que vai acabar a viver num lar… até acabar a viver num lar. Pensamos quase sempre na vida como ela é neste momento e, mesmo quando projectamos o futuro, pensamos nele como uma adaptação da vida que vivemos até aqui. É um estratagema que nos impede de pensar que todos os dias perdemos mais um dia de vida — eu acho que o ganhamos, porque já o vivemos, mas aritmeticamente é um dia a menos.
Os óculos do presente não nos permitem visualizar a nossa própria velhice num lar, no quarto de um lar, a comer num tabuleiro, com a visita esporádica de familiares e o apoio constante de pessoal auxiliar. É normal. Também só pensamos em carrinhos de bebé na perspectiva de uma gravidez e nunca antecipamos uma operação a menos que nos tenha sido “receitada”.
Mas, como se vê pelas notícias recentes, os lares de idosos deviam ser uma prioridade nacional. As creches, as escolas, as universidades, os hospitais, os centros de saúde, os tribunais e os lares. Talvez me tenha esquecido de algo fundamental, mas o que pretendia era colocar os lares de idosos a par de outros estabelecimentos considerados basilares no Estado Social.
Precisamos mais de lares do que somos capazes de admitir e só aceitamos que alguns idosos vivam em espaços ilegais e sem dignidade, amarrados a camas e isolados do mundo porque não queremos pensar que um dia (quase) todos vamos acordar numa instituição de apoio à velhice. As caríssimas casas de hoje não têm quartos suficientes para as famílias se reencontrarem na velhice e por isso é ainda mais importante aceder a lares de qualidade.
A esta distância, também não me vejo num lar – claro –, mas, se viver o suficiente, lá chegarei. E acredito que passarei por algumas daquelas fases que Valter Hugo Mãe descreve n'A máquina de fazer espanhóis.
Vai chegar o dia em que a União Europeia, o continente grisalho que não pára de envelhecer, terá de criar fundos especiais para construir estas residências seniores. Uma espécie de PRR só para a terceira idade. Hoje "melões" para habitação (como diz o Presidente da República), amanhã "melões" para lares. O ideal seria conseguirmos montar esse seguro especial de velhice a tempo de evitar muito mais histórias como a da Lourinhã ou a de Palmela.»
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