12.3.23

TAP: depois de 500 mil a Alexandra, Estado pagará três milhões a Christine

 


«Obrigada, Governo. Obrigada, Estado. Depois da pipa de massa que os contribuintes enterraram na companhia, vão a prazo (provavelmente longo) gastar muito mais — não para aumentar os salários dos trabalhadores que ganham muito menos do que a CEO, mas para tentar lavar a imagem do Governo.


A decisão de demitir a CEO pode servir para ajudar a fazer controlo de danos para quem não achou que a demissão de Pedro Nuno Santos foi suficiente, mas é um perfeito disparate do ponto de vista do contribuinte. Não, João Miguel Tavares não é o único a achar absurda a demissão. António Costa e Fernando Medina só estão a empatar e a pensar no curtíssimo prazo, no lucro político do dia — porque, daqui a uns anos, quem viver verá. E verá com muita probabilidade os tribunais a darem razão a Christine Ourmières-Widener.

É provável que o Governo já tenha outros protagonistas no dia em que o Estado desembolsar milhões por ter despedido uma gestora sob o argumento de uma “justa causa” que não se está a perceber exactamente onde reside. Se a TAP deu lucro, depois dos anos negros da covid, se a CEO estava a cumprir a reestruturação conforme a decisão da Comissão Europeia, onde é que há motivo para despedimento por justa causa?

Ah, pois, foi a CEO que assinou o acordo de indemnização de Alexandra Reis que foi declarado nulo pela Inspecção-Geral de Finanças. Ora, Christine não é jurista. Não percebe absolutamente nada de direito público e de estatuto de gestor público português (um estatuto que abre várias excepções para a TAP, a começar pelo salário da CEO) e fez o que os advogados a mandaram fazer. O Governo devia, sim, processar a sociedade de advogados de Pedro Rebelo de Sousa que representou a TAP e que, segundo o seu irmão Marcelo, produziu uma “fórmula juridicamente abstrusa” que conduziu a um acordo espúrio.

A representar Alexandra Reis, a sociedade de advogados Morais Leitão também é co-protagonista e co-responsável desta história surreal. Os balúrdios que o Estado gasta nas “conceituadas” sociedades de advogados, para além de ter nos seus organigramas gabinetes jurídicos (onde estava o da TAP nesta questão?), produziram desastrosos resultados. Era importante perceber quanto lucraram os advogados num processo de que o Estado saiu — e vai sair ainda mais — prejudicado. E, já agora, pedir-lhes que devolvam o dinheiro.

Pedro Nuno Santos geriu o processo mal e saiu do Governo. É público que o tratou como se fosse uma questão menor e que deveria ter informado as Finanças sobre a indemnização de Alexandra Reis. Christine geriu o processo mal: não foi capaz de trabalhar com alguém com pontos de vista diferentes e achou melhor que fosse tirada da frente, em vez de optar por uma solução menos danosa para as contas da TAP. Se só conseguia trabalhar com pessoas da sua confiança, podia ter feito o que o antigo presidente da TAP, Fernando Pinto (que, tal como Christine Ourmières-Widener, foi escolhido por “headhunters” sob a responsabilidade do falecido ministro Jorge Coelho), fez: rodeou-se apenas de íntimos que tinham trabalhado com ele na Varig.

Agora vem aí a privatização — e se calhar é mesmo a 100%, possibilidade que não foi excluída pelo primeiro-ministro. Defenda-se ou não a privatização, este deve ser o pior momento para a fazer, a menos que o objectivo seja mesmo vender a granel. Neste sábado, o Presidente da República defendeu que a privatização seja feita “no mais curto lapso de tempo possível”. Mas para quê?

Todo este processo teve custos reputacionais para a empresa (para lá dos custos políticos que teve e ainda tem para o Governo) e a chegada da Comissão Parlamentar de Inquérito vai ainda fragilizar mais o valor da companhia no mercado. A atracção pelo abismo deste território é uma coisa sem explicação.»

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