29.1.23

Quem tem medo da guerra colonial?

 


«PS, PSD e Chega chumbaram uma proposta do Bloco de Esquerda de desclassificação de documentos militares anteriores a 1975 por três razões diferentes, mas todas elas injustificadas. Os socialistas entendem que os historiadores devem ter acesso a todas as fontes documentais para fazerem o seu trabalho, mas também garantem que são poucos os documentos daquela época que estão classificados e que estes apenas se encontram na Marinha. Pois bem. Certamente que quem estuda a guerra colonial terá muito interesse em saber o conteúdo dessa escassa documentação que continua secreta e porque é que ela se mantém nesse estado.

O PSD e Chega não estão preocupados com a escassez dos textos classificados. O que mais os apoquenta são os efeitos que o seu conhecimento público poderá ter na “abertura das feridas” que a guerra colonial inevitavelmente provoca na sociedade portuguesa. Esta proposta de desclassificação do BE, que se refere especificamente ao período da guerra colonial, entre 1961 e 1974, tem tudo para que tal aconteça. Mas o oposto não resolve nada. Quem faz História não é o BE.

Por fim, a desclassificação contribuiria para o “achincalhamento das forças armadas”. O Parlamento optou por manter o estado de negação, fingir que o trauma não existe, ignorar que um regime repugnante fez muitas vítimas inocentes cá e lá, em nome de uma guerra sem razão. Apesar do chumbo, as feridas vão continuar abertas e silenciosas, e não se trata de denegrir quem foi obrigado a combater em África, mas sim de conhecer as circunstâncias históricas em que tal aconteceu.

Todas as guerras são traumáticas. E nem todos os países se sentiram à vontade para confrontar a sua memória, como é o exemplo clássico da Alemanha Ocidental do pós-guerra. A catarse espanhola do Governo de Pedro Sánchez sobre a guerra civil e as vítimas do franquismo é um acto de justiça com a memória destas e com os seus familiares, uma forma de melhor desvendar o passado e de sanar, de uma vez por todas, as tais feridas abertas.

Depois do cinquentenário do massacre de Wiriyamu em Moçambique, quando as principais figuras do Estado assumiram essa ferida, não há muitos argumentos para continuar a persistir no tabu. Ele permanece, como explica o historiador Manuel Loff, porque ainda há protagonistas da guerra que estão vivos e porque ainda há quem encontre legitimidade na dominação colonial. Só faz o luto a sério quem tem coragem de o enfrentar.»

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