«Passa nesta segunda-feira um ano desde que as eleições legislativas deram a vitória ao PS com maioria absoluta e não se pode dizer que os últimos meses, desde a posse em finais de Março de 2022, tenham sido desafogados para António Costa e os seus ministros. E não o foram, em parte, porque a política (ou antes, a politiquice) está a ganhar às políticas.
O que tem distraído os portugueses da crise inflacionária e contribuído para a sua falta de confiança nas instituições não são as políticas erradas que o executivo tem escolhido. À falta dessas, o espaço tem sido tomado por histórias como: os milhões da indemnização de Alexandra Reis; a fita do tempo que Pedro Nuno Santos reconstituiu; as eventuais incompatibilidades de membros do Governo e do Parlamento; as supostas luvas nas autarquias; os ajustes directos sem controlo; processos intermináveis que levantam suspeitas sem as concretizar em tempo útil; e, mais recentemente, o esbanjamento que alguns de nós querem levar a cabo numa Jornada Mundial da Juventude que se realiza dentro de 183 dias em Lisboa.
Se retirarmos estes casos (ou este caos) da equação, o que está neste momento no centro do furacão é uma classe profissional que acumula anos de cansaço, de sensação de desrespeito e de esquecimento. Os professores tornaram-se o grande problema que o Governo tem para resolver, ao ponto de terem iniciado uma greve inédita, por tempo indeterminado e de consequências imprevisíveis, até para a imagem pública dos próprios.
A manifestação deste fim-de-semana, a lembrar os tempos da troika, mostra muito mais do que o estado de desmotivação da classe docente. Mostra o desespero. Cada professor é uma história de desencanto com a profissão, com o sistema educativo, com os sucessivos governos e com as suas próprias perspectivas de futuro. Pensar que se podiam descongelar carreiras como se nada tivesse ficado perdido funcionou como um longo rastilho de uma bomba que está agora a explodir. Afinal, os professores não se esqueceram disso e, para eles, a questão parece longe de estar ultrapassada — apesar de o Governo insistir que, do seu lado, a porta para recuperar os anos de serviços congelados está definitivamente fechada.
Seis anos, seis meses e 23 dias. De acordo com a Fenprof, é este o tempo perdido. Há muito mais coisas em causa para os sindicatos, algumas em negociação, mas esta é a pedra no sapato dos docentes desde que Pedro Passos Coelho deixou de ser primeiro-ministro. Em 2019, ainda com a “geringonça”, o tema quase fez cair o Governo, que chegou a ameaçar com eleições antecipadas quando a oposição se juntou para aprovar a recuperação desses anos. Acabou por não acontecer, com uma pequena grande ajuda do PSD de Rui Rio.
Agora, em maioria absoluta, o cenário é totalmente diferente. Em teoria, ninguém pode obrigar o PS e o executivo a fazerem o que não querem (na prática, há as maiorias sociais de que falou Catarina Martins no domingo, que podem fazer estragos). Mas até já entre os socialistas há quem tenha percebido que o problema não é irrelevante. Neste domingo, em entrevista à Lusa, Carlos César aconselhou o Governo a debruçar-se “e atender a esses problemas”, sobretudo os que resultaram dos anos da pandemia. “É altura de, caso a caso, resolvermos esses problemas. Alguns estão a ser resolvidos – e de certeza que o problema dos professores também começará a ter um desenho na sua resolução que vai permitir-lhes terem confiança num processo que não seja interrompido de recuperação daquilo a que entendem ter direito”, acrescentou o presidente do PS.
Está na hora de Governo e oposição discutirem soluções em vez de entrarem numa espécie de campeonato da desonestidade. Está na hora de as políticas voltarem ao centro da política.»
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