31.1.23

Morrer com um sorriso

 


«"A sedação começa e ela não perde o sorriso. As suas netas dizem que a amam e ela despede-se desejando felicidades para todos. São onze e meia e paira no ar um espírito de paz, dignidade, respeito pela vida e pelo processo de morrer que nunca havia experimentado".

Este relato na primeira pessoa do médico espanhol Jesús Medina feita ao jornal "El País" espelha um ato polémico que em Espanha já foi legalizado e que em Portugal o conservadorismo do Tribunal Constitucional ainda não o permitiu. Esta eutanásia, feita a 15 de novembro de 2021, é uma das duas centenas realizadas até hoje no país vizinho. Na altura, Jesús Medina relatou que a paciente pediu que não falhasse com ela, uma idosa de 86 anos com cancro do cólon terminal.

Vale a pena recordar as palavras que o médico resolveu partilhar. "Estamos aqui os três: as duas enfermeiras e eu. Dedicamos alguns momentos para dizermos o quanto estamos nervosos, mas convictos de que estamos a realizar um ato médico, movidos pelo amor e pelo respeito à liberdade individual. No quarto há filhos e muitos netos. O marido é o membro mais frágil da família. Ela está esplêndida com um pijama branco e um roupão florido. Maquilhada, perfumada, com um ramo de flores que as netas acabaram de lhe dar. Ela conforta quem está perto. Está preparada, forte, serena e contraditoriamente parecendo cheia de vida. Ela vai para o quarto e deita-se na cama com bastante naturalidade. Fala connosco num tom jovial sobre detalhes específicos e questões importantes. Agradece-me pelo meu acompanhamento nos últimos meses, conta-me coisas muito bonitas que não consigo reter. Digo-lhe que tivemos uma paixão à primeira vista, que nunca vou esquecê-la". Todos estamos de acordo que a eutanásia é transversal e não tem ideologia. A lei da morte medicamente assistida não pode ser inconstitucional, mas também estamos de acordo que o Parlamento irá fazer o seu trabalho e aprovar uma legislação que proteja quem sofre e quem deseje parar esse sofrimento.»

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