«Mais uma vez recai sobre mim a tarefa sempre desconsiderada de dizer o óbvio. É um destino um pouco cansativo, mas as coisas são o que são — outra evidência que quando é assinalada por mim se considera banal, mas quando é notada por Parménides toda a gente recebe com grande admiração. Injustiças.
A constatação óbvia desta semana é a seguinte: o altar-palco que vai receber em Lisboa o representante de Deus na Terra é baratíssimo. €5,3 milhões mais IVA é um assalto dos contribuintes à Mota-Engil. Este tipo de estrutura tem características particulares, e nós sabemos quais são porque Deus as comunica a Moisés no livro do Êxodo, capítulo 25 e seguintes. São as instruções para a construção do tabernáculo, a palavra com que antigamente eram designados os altares-palcos. Pessoalmente, não gostaria de vos maçar com os pormenores, mas Deus não tem o mesmo pudor. O Senhor tem ideias muito claras em termos de imobiliário. Não será por acaso que Lhe chamam o Supremo Arquitecto. O tabernáculo requer ouro, prata e cobre, peles de carneiro e texugo, madeira de acácia, pedras preciosas e cortinas de linho. No centro, terá uma arca de dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura e outro tanto de altura, cheia de ouro puro. Também em ouro puro devem ser forjados um vaso, dois querubins, um castiçal, sete lâmpadas e um altar para queimar incenso. Uma pia para lavar as mãos poderá ser de cobre, bem como os utensílios do altar de holocaustos, todo em madeira de acácia. O tabernáculo terá quatro colunas de madeira de acácia cobertas de ouro, erigidas sobre quatro bases de prata. E o pátio será ornado por 20 colunas em base de cobre com faixas de prata. Quanto ao piso, o Criador pensou num parquet: tábuas de dez côvados de comprimento e côvado e meio de largura. Ciente de que a qualidade dos materiais não garante, por si só, a excelência da obra, Deus exige uma aplicação muito específica do pavimento: 20 tábuas para a banda do meio-dia, ao sul, sobre 40 bases de prata; 20 tábuas para a banda do norte, sobre outras 40 bases de prata; e seis tábuas para o ocidente.
Quanto à escolha do empreiteiro, o Todo-Poderoso opta, tal como a Câmara de Lisboa, pela modalidade do ajuste directo: devem ser Bezalel, filho de Uri, e Aiolabe, filho de Aisamaque, a realizar a obra. A ideia de concurso público é contrária aos planos do Senhor.
Como me parece óbvio, o nosso altar-palco não cumpre estas especificações. Vamos receber o Papa numa estrutura humilde, sem qualquer metal precioso, sem um único material medido em côvados, e sem nada que se assemelhe a uma pele de texugo. O nosso despojado altar-palco de €5,3 milhões mais IVA é paupérrimo, em respeito a Jesus Cristo, que se fez pobre por nós. Mesmo assim, gera protestos. Não há maneira de agradar a esta gente.»
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