«A frase politicamente mais interessante deste sábado foi a do presidente do PS, Carlos César, a falar como “se não fosse presidente do PS”, uma vez que sendo, como é, presidente do PS, a declaração que decidiu fazer à entrada para a comissão nacional do partido é partidariamente incorrecta: “Espero que o excedente [orçamental] não seja um excesso.”
A alegada “esperança” de César é quase uma declaração de guerra ao passado governativo do PS. E tem um subtexto: a teimosia do Governo Costa em não resolver problemas sociais, como os de várias carreiras da Função Pública, professores, polícias, Serviço Nacional de Saúde, para não gastar o “ouro do Banco de Portugal”, pode muito bem ter custado as eleições ao PS.
Vamos a ficar a saber a percentagem exacta do excedente orçamental esta segunda-feira, mas o Banco de Portugal já diz que será de 1,1%, um valor superior à percentagem “excedentária” de 0,8% para que o Governo apontou. É provável que o número se confirme ou venha a ser superior e então o excedente é capaz mesmo de se revelar “um excesso”. É provável que nesse “excesso”, e nas inúmeras classes zangadas (com razão) com o Governo e com os serviços públicos, se possa explicar uma parte da votação no Chega.
Se é um facto que a votação no Chega torna absolutamente inequívoca a vitória da direita, a votação na AD não corresponde de todo à euforia que por estes dias se vive nas hostes sociais-democratas e centristas. Obviamente, ganharam. Mas o facto de o PSD vir a ter na Assembleia o mesmo número de deputados que o PS não é um cenário que possa deixar os sociais-democratas despreocupados com o futuro.
Segundo os dados finais das eleições, agora publicados, a coligação alcançou a vitória pela margem mais curta de sempre. O partido do primeiro-ministro elegeu o mesmo número de deputados que o partido do líder da oposição – 78. Só dois deputados do CDS perfazem a maioria que permitiu a Montenegro ser esta semana indigitado primeiro-ministro. A diferença de votos entre PS e AD é de uns minimais 54 mil votos. Claro que por um voto se ganha e por um voto se perde – mas isto obriga a que, depois do desgaste de oito anos de Governo PS, PSD e CDS não se iludam com a euforia do regresso ao poder e façam uma reflexão tão séria como aquela a que o PS está, neste momento, obrigado.
A verdade é que na campanha do PS, Pedro Nuno Santos abraçou todo o legado, incluindo o excedente. Apesar de ser opositor de António Costa e de Fernando Medina nesta questão da utilização das margens orçamentais, só muito sibilinamente o ia dizendo em público. A súbita demissão de António Costa – por causa do dinheiro encontrado na sala do chefe de gabinete e do famoso parágrafo do comunicado da PGR – obrigava a uma rápida união do PS, o que podia não ser fácil.
Na campanha, o Pedro Nuno Santos que muitas vezes foi contra a linha oficial do partido sumiu e deu lugar a uma figura deslocada, com extrema necessidade de defender todo o legado (repetiu milhões de vezes o mantra das contas certas) e minimizar as diferenças. Pode-se fazer o raciocínio oposto: teria o PS ainda menos votos se não abraçasse como abraçou o “legado”? Não descartar.
Mas a verdade (e eleições à parte) é que, dentro do PS, o legado dos excedentes orçamentais – em detrimento da solução dos problemas das pessoas – já começa a ser fortemente questionado. A declaração de César, que é hoje o principal conselheiro de Pedro Nuno Santos, é disso prova. Só faltou ao presidente do PS recuperar um slogan velhinho, de há quase 30 anos, de António Guterres quando combatia Cavaco Silva: “As pessoas primeiro.” »
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