25.3.24

O caso Fernando Medina

 


«Comecemos pelo princípio: Fernando Medina perdeu as eleições contra Carlos Moedas num domingo que foi inesquecível. As sondagens indicavam uma vitória segura de Medina e ninguém estava preparado para aquele resultado, a começar pelo próprio Carlos Moedas. Os eleitores de esquerda não estavam muito conscientes de que nas autárquicas não existem coligações pós-eleitorais possíveis para ganhar o executivo. O caso de última hora de Margarida Martins em Arroios também ajudou. Medina perdeu por pouco, mas perdeu. Sabe Deus que se as eleições se tivessem repetido no dia seguinte Medina ganharia.

Foi um dos melhores presidentes de câmara que já passaram por Lisboa e não me esqueço que António Costa consta da lista. Falhas e erros existiram, mas foi tão bom que permitiu que a história de Carlos Moedas enquanto presidente de câmara se possa resumir a fazer marketing e comunicação.

Na serra algarvia diz-se: “Pais fuções, filhos barões.” “Fução” é uma palavra que não existe na língua portuguesa, mas muito importante na serra. Significa trabalhador obstinado. Carlos Moedas é o filho barão do pai fução Fernando Medina. Vive descontraidamente dos rendimentos do património construído pelo seu antecessor. Não precisa de fazer muito. Inaugura obras e projetos que Fernando Medina deixou começados, projetados, com os concursos públicos lançados e alguns com financiamento já assegurado (como o plano de drenagem da cidade).

Pelo caminho, ainda deixou na gaveta projetos fundamentais para a estrutura ecológica da cidade, como o Vale de Alcântara ou o Vale do Forno, que concretizavam a visão de Ribeiro Telles para Lisboa, que Sá Fernandes quase concluiu. Para a gaveta foram também vários projetos de habitação acessível. Não construiu ciclovias e ainda acabou com a da Avenida de Berna. Privilegia os carros e revela uma visão retrógrada de cidade. Mas tudo passa de fininho. Moedas sabe investir e inovar na sua própria propaganda enquanto explora um legado que lhe permite disfarçar um vácuo total nas políticas da cidade.

E eis que agora pode repetir-se a proeza.

Não fui a maior adepta da lógica de contas certas seguida por Fernando Medina enquanto ministro das Finanças. Mas é certo que o seu trabalho foi notável e que existe um excedente orçamental histórico. E qual é o resultado disto? É que novamente será a direita a fazer um brilharete às custas da sua herança.

Medina deixa a Luís Montenegro os meios para, por exemplo, satisfazer as reivindicações das classes profissionais a que o Governo de António Costa não cedeu. Porque não cedeu? Em nome de uma lógica governativa de gestão rigorosa, precisamente a que possibilitou gerar este excedente. Montenegro poderá colher os frutos dessa gestão e fazer a parte simpática: dar os aumentos que todos exigem legitimamente. E inverte-se assim aquilo de que as governações socialistas têm sido acusadas: de deixar o país em maus lençóis ou, como a direita gosta de dizer, em bancarrota.

Fica aberta uma brecha para Montenegro arrancar com uma governação em que a direita faz as pazes com funcionários públicos e sectores profissionais ressentidos. Esse arranque poderá garantir a Montenegro a sua reeleição caso não leve o seu mandato até ao fim, como é altamente previsível.

Viver em democracia e num sistema em que os governantes têm mandatos curtos de quatro ou cinco anos é uma conquista. Nunca se pensou em nada melhor, pelo menos melhor para as pessoas. Mas nada é perfeito. Este sistema democrático desmotiva os políticos a tomarem decisões e a fazerem políticas cujos impactos apenas se façam sentir findos os seus mandatos. É preciso ganhar eleições. Os cálculos são feitos de forma a deixar a parte da distribuição de riqueza e aumento da despesa para o final dos mandatos. Não costuma falhar.

Claro que, desta vez, trocaram as voltas a Fernando Medina. Num governo de maioria absoluta fazia sentido que contasse levar o mandato até ao fim. Haveria tempo, e mais importante: dinheiro, para distribuir numa segunda fase que não chegou a acontecer.

Não pretendo avaliar se acabei de escrever um elogio ou uma crítica a Fernando Medina. Como elogio, digo que é um dos políticos mais preparados e competentes que temos. Por onde passa os celeiros transbordam. Como crítica, digo que Medina melhorou o país, mas não melhorou a vida das pessoas. Uso as palavras que Montenegro usou para elogiar Passos Coelho. É justo. Montenegro é o filho barão que se segue.»

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