Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena1:
E, contra os vaticínios da maioria dos comentadores e as ameaças dos dirigentes da Europa a 18 – aquela da conta dos 19 menos um – o povo grego votou «Não».
Não sendo economista nem especialista de política europeia, a minha opinião tem apenas a validade da de qualquer outro cidadão ou cidadã.
E foi como cidadã que reagi, com uma emoção parente da que senti quando vi hastear as bandeiras das colónias tornadas independentes – recordando os inúmeros sacrifícios feitos para que a independência fosse possível – ou assisti à posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos – recordando Rosa Parks, Martin Luther King e as inúmeras vítimas da Ku Klux Klan.
E recordando, no «Não» dos gregos, muitas outras coisas, que vão de frases da Bíblia – «Que a tua palavra seja Sim Sim, Não Não, porque Deus abomina os mornos e os vomita de sua boca» – a alguns versos do If de Kipling – «If you can force your heart and nerve and sinew / To serve your turn long after they are gone» ou do Mostrengo de Pessoa – «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu» –
a uma personagem de Malraux – Katow partilhando entre dois jovens aterrorizados a cápsula de cianeto que o salvaria de morrer queimado na fornalha – ao final do poema de Aragon sobre os membros do grupo de resistentes Manouchian fuzilados pelos nazis, esses 23 estrangeiros no entanto nossos irmãos, que amavam a vida ao ponto de sacrificá-la, e que gritaram «Viva a França» enquanto caíam – ou a Pete Seeger lembrando defensores dos direitos civis dos negros cantando «I’m not afraid of your jail, because I want my freeddom, I want my freedom now».
E, naturalmente, à visão da Europa de Camus em Cartas a um Amigo Alemão.
De tudo isso, dessa mistura de referências, algumas extra-europeias, colhidas em jovem, se fez a minha noção de cidadania – que, com o seu Não contra o medo e os novos Adamastores, os cidadãos gregos me devolveram.
Obrigada, gregos.
Obrigada, Varoufakis, por nunca teres aparecido como pedinte, torcendo nas mãos um boné puído, mas com a assertividade de um igual. E por te teres permitido ser considerado arrogante pelos que se julgam com direito a humilhar todos os outros.
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A outra pessoa devo um agradecimento. Trato-a pelo nome com que a conheci: Maria Barroso.
Morreu hoje, mas recordo-a quando, vigiada pela PIDE, impedida de representar e muitas vezes de declamar, atendeu ao pedido de alguns jovens estudantes de Medicina de Lisboa e, numa Sala de Alunos cheia, não se escusou a recitar vários dos poemas que sabia serem interditos, ajudando a ensinar-nos o valor da dignidade e da coragem.
E, naturalmente, o valor da poesia.
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