«Da declaração do primeiro-ministro deste sábado, o que será mais doloroso? Um primeiro-ministro só perceber ao fim de oito anos que não pode ter “melhores amigos” – com relações com o Estado, evidentemente – ou fazer uma afirmação em que acaba a deixar cair um amigo de sempre, Diogo Lacerda Machado, num dos piores momentos da sua vida?
A ideia inicial da conferência de imprensa era explicar que, como o primeiro-ministro disse, a administração pública não devia ficar “paralisada” com medo da justiça. Costa diz que a frase “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça” vale para os dois lados: o confronto entre várias instituições do Estado é normal e a administração pública não pode ficar com medo da lei. E a frase “à política, o que é da política…” também significa, diz Costa, que “aos futuros governos de Portugal tem que ser garantida a liberdade de acção política” e que “não é o facto de haver lei a que estamos todos obrigados [que] deve levar à paralisia ou medo de violar a lei”.
Ao dizer isto, Costa diz que sugere que muito do que tem vindo a público pode ser a justiça a interferir na esfera da acção política. Mas dizer que está a interferir na justiça, como já está a ser acusado, não faz qualquer sentido.
O que também não faz qualquer sentido é António Costa afirmar não ter falado com o homem que tanto o envergonhou, o ex-chefe de gabinete Vítor Escária, que guardava cerca de 78 mil euros na sala do lado. Mandou alguém falar? Pediu à secretária que dissesse a Vítor Escária que não o queria ver mais à frente e devia arrumar já as suas coisas (incluindo os 78 mil euros)? Nada disto faz sentido, mas o pedido de desculpas do primeiro-ministro aos portugueses só peca por tardio.
A ideia que a conferência de imprensa deste sábado sugere é que só agora António Costa percebeu o camião que lhe passou por cima. Obviamente, ainda não tinha percebido tudo quando fez aquela conferência de imprensa à porta da Comissão Política do PS na quinta-feira, em que atirou o nome de Centeno para primeiro-ministro, sem cuidar dos riscos que isso acarretava para o governador do Banco de Portugal.
Agora, poupou Centeno, quando disse que o governador não tinha aceitado o cargo por não ter falado antes com o Presidente da República. Mas se Centeno foi poupado, é óbvio que todo este processo foi uma espécie de declaração de incapacidade assinada pelo primeiro-ministro ao seu partido. A “escolha” de Centeno foi uma decisão bicéfala – Costa com Carlos César –, ignorando olimpicamente o partido que, como na quinta-feira o próprio primeiro-ministro fez questão de lembrar, foi o verdadeiro candidato às eleições legislativas e não o próprio António Costa. A única certeza que toda a gente tem é que Mário Centeno, que não é militante do PS, não foi candidato em nenhuma lista. Até ao último dia, Costa achou, ao propor o nome de Mário Centeno ao Presidente da República antes de o fazer ao PS, que o partido é uma coutada sua e faria o que ele quisesse.
António Costa assumiu que "com probabilidade" não iria "exercer mais nenhum cargo público", tendo em conta o tempo que provavelmente vai demorar o processo judicial. É o fim de uma época e da carreira política do homem que acabou por ser, ao longo de décadas, quase sempre um vencedor.
P.S.: José Luís Carneiro anunciou a sua candidatura, que acabou abalrroada pela conferência de imprensa do primeiro-ministro. Quanto vale, dentro do PS, assumir-se hoje, depois do afastamento de Costa, como o verdadeiro herdeiro do costismo? Não sabemos.»
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