Não era minha intenção regressar tão depressa à questão das esquerdas nas eleições que se aproximam, sobre as quais disse o que pensava há uma semana, mas diversos factores levam-me agora a decidir o contrário: uma longa conversa durante um jantar que reuniu um grande grupo de autores do blogue Alegro Pianissimo, um texto de Joaquim Paulo Nogueira, que resultou da referida conversa e ao qual prometi reagir, discussões sem fim à vista no Facebook e as recentes tomadas de posição públicas do PCP e do Bloco, anunciando uma tentativa de aproximação entre os dois partidos.
Continuo a pensar que o mais provável é que o próximo governo que teremos sairá de um bloco central, qualquer que venha a ser o «derrotado» que, na noite do dia 5 de Junho, felicite o vencedor - ou seja, quer ganhe o PSD ou o PS.
Mas reafirmo, agora com mais convicção do que a semana passada, que os dois próximos meses podem ser muito interessantes.
Pela primeira vez em circunstâncias semelhantes, PCP e Bloco têm uma atitude «decente» de não agressão e de abertura para conversações com início já marcado para a próxima 6ª feira. Ao contrário de alguns, creio que não há qualquer razão para que não se entendam sobre as questões mais urgentes e proeminentes que se põem a Portugal neste momento, no plano social e no domínio económico, até porque têm convergido sistematicamente no que é essencial, na AR e não só.
Mais: dizem-se dispostos a contribuir para a governação do país. E não se subentenda, como começo a ler por aí, que pretendem fazê-lo sozinhos ou com uns «tresmalhados» companheiros de lutas várias. Pelo menos não é essa a minha leitura: é óbvio que nada será / seria possível sem o PS. Mas é verdade, também, que por mais cedências que quem quer dialogar deva fazer, a orientação que a actual direcção do PS tem dado à governação é inaceitável - o que, segundo a Lusa, o PCP explicitaria com uma expressão do tipo: «não com o PS de Sócrates».
Tudo inverosímil porque este acabou de ser eleito com 93,33% dos votos dos seus militantes e grande afluência dos mesmos às urnas? Mas o PCP, o Bloco e os milhões de portugueses que não foram para aí chamados têm alguma culpa disso? Devem por esse facto desistir do que consideram neste momento essencial e sentarem-se à espera que o Partido Socialista sofra uma qualquer implosão para que possa ser considerada a hipótese (repito: a hipótese) de Portugal, que tem votado à esquerda, deixar de ser governado à direita? Devem o PCP e o Bloco refrear a pressão de muitas das suas bases e dos movimentos sociais que (finalmente!) vieram para ficar e que começam a ter uma força de efeitos imprevisíveis?
Nos tempos que vão correndo, sessenta dias são uma eternidade (há dois meses, estava eu a planear passar uma semana de férias na Líbia...) e é prudente não dar todos os jogos como se encerrados estivessem. E, mesmo que tudo acabe como é mais provável, terá valido a pena iniciar um longo caminho, onde todos – PS, PCP, Bloco, sindicatos, etc., etc. – têm muito a rever, a corrigir, a «refundar».
Mas, mesmo que nem sempre pareça, há mais esquerda no PS para além de Sócrates, como há mais abertura no PCP do que o Avante! retrata e mais solidez no Bloco do que algumas das suas figuras mediáticas aparentam. E há onze milhões de portugueses, já agora…
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13 comments:
Há mais esquerda para além de Sócrates, sim. Há o PS que privatizou mais que o PSD nos últimos 20 anos, há o PS que colocou desde 76 tão bem os seus boys como o PSD, e há o PS que deitará Sócrates ao lixo se puder subir ao poder à custa do BE e do PCP. Há também o PS que foi conivente com a nacionalização do BPN sem a SLN (nunca ouvi um militante que seja, e conheço muitos, a queixar-se). Se há esquerda no PS, que saiam do partido e se juntem como independentes na plataforma que o PCP e o BE vão, oxalá, propôr.
Cara Joana Lopes:
Tal como já fiz em relação ao meu camarada Tiago Mota Saraiva e só por uma questão de rigor, chamo a atenção para que a expressão «não com o PS de Sócrates» (que a Joana grafa com comas)não foi usada por Jerónimo de Sousa (na minha memória, o PCP não tem por hábito falar desse jeito)mas foi sim uma dedução - porventura legítima - feita pela LUSA sem aspas.
Eu, e estou convencido que a Joana também , não gostaria que deduções ou inferências alheias fossem transformadas em afirmações textuais minhas.
Cada coisa no seu lugar.
Cumprimentos
Joana,
parece-me possível, ainda que difícil, a definição de uma proposta visando algumas medidas concretas - mais do que isso, não vejo como.
Tu escreves: "não há qualquer razão para que não se entendam sobre as questões mais urgentes e proeminentes que se põem a Portugal neste momento, no plano social e no domínio económico". E eu pergunto-te simplesmente se te esqueceste da Europa (ou da UE). Achas que as posições soberanistas e anti-europeias extremas, reiteradas pelo secretário-geral do PCP, são compatíveis com a atitude do BE em relação à UE e à sua transformação (orçamento comum, homogeneização no plano dos direitos sociais, etc., etc.)? E não te parece que qualquer política de combate à crise passa por uma definição clara neste campo: ou saída (ainda que a prazo, gradual, etc.) da Europa e "via albanesa", ou combate pela democratização e "socialização" das formas governamentais e económicas dominantes na actual UE?
Muito haveria a dizer e vários matizes a introduzir para fazer justiça às diferentes propostas interiores ao segundo campo, mas suponho que, ainda que em termos sumários, se levanta aqui uma dificuldade insuperável, a menos que o PCP proceda a uma revolução interna, ao acordo sobre questões políticas fundamentais.
Embora sem o subscrever na íntegra, parece-me que, desta vez, o camarada Rui Bebiano tem bastante razão no post que escreveu sobre os gambozinos…
Abraço
msp
Fernando Ribeiro, não é assim tão simples, nem me parece que o PCP e o Bloco proponham uma plataforma para «albergar» militantes do PS desiludidos...
Vítor Dias, obrigada: introduzi uma modificação no texto, atrbuindo a expressão à Lusa.
Miguel, escreves isto, concordo e já não acharia nada mau: «Parece-me possível, ainda que difícil, a definição de uma proposta visando algumas medidas concretas - mais do que isso, não vejo como.»
Quanto ao resto, é óbvio que há diferenças grandes entre PCP e Bloco, mas não me parece que sejam impeditivas do que me parece estar em causa neste momento. (Quanto à Europa, no estado em que ela está, sei lá o que aí poderá vir!...Resistirá muito tempo???)
Finalmente e quanto ao PCP: «revolução interna» necessária? E então no PS? E no Bloco?
Pois, não me identifico com a linha geral do post do Rui Bebiano, já lho dsse e li-o antes de escrever este.
Sim, Joana, uma transformação radical do BE e do PS só lhes poderiam fazer bem. Se a ideia for uma transformação efectivamente democrática (logo, "socialista") das instituições e da economia, então, parafraseando um clássico do pensamento radical, também "o agente da transformação precisa de ser transformado" - ou de se transformar.
Quanto ao resto, surpreende-me a tranquilidade com que falas de uma eventual desagregação da UE. O facto de ela poder vir a precipitar-se, de não ser uma especulação ociosa, não deve fazer-nos subestimar a regressão enorme e de longo alcance que acarretaria (no plano dos "direitos sociais" à escala global, no que se refere aos riscos de conflitos militares alargados, e por aí fora).
Abraço
msp
Fico admirada, Miguel, com o «europeissmo» tal como o exprimes.
A luta pelos direitos sociais a nível global já não se faz A PARTIR da Europa: «já foi». Não imaginas como isso é evidente quando se olha para cá, por exemplo a partir da Ásia, onde, como sabes, tenho estado largas semanas nos últimos anos. São eles que estão a lutar pelos seus próprios direitos.
As civilizações também morrem, sempre morreram, e a europeia...
É sempre reconfortante ver um Miguel Serras Pereira a copiar o PS, o PSD, o CDS e tutti quanti qualificando a posição do PCP de «antieuropeia».
O truque é sempre o mesmo, só os quadrantes que o usam mudam: quem não tiver a minha visão da Europa é «antieuropeu».
E viva o magnifico federalismo que, por obra e graça da vontade simultânea de 500 milhões de eleitores europeus, nos há-de trazer qualquer dia «os amanhãs europeus que chilreiam».
Joana,
Fiz link... deste e de outro post...
OBrigada!
Abraço.
Ó Vítor Dias,
você não me puxe pela língua sobre o nacionalismo económico do PCP, a sua denúncia constante de qualquer projecto europeu que implique o abandono do soberanismo, o aprofundamento da integração económica em simultâneo com a democratização das instituições "federais" e através da construção de uma cidadania europeia "homogénea". Ainda há pouco tempo, o candidato Francisco Lopes dizia que Portugal deveria ser indemnizado da adesão ao euro…
E nao me venha com tiros ao lado, por favor. V. sabe perfeitamente que a minha posição, ou - sobre este assunto - a do Rui Tavares, do José Maria Castro Caldas e outros democratas independentes (que até divergem sobre muita coisa), não equivale à aprovação, mas antes a uma crítica impiedosa, do funcionamento burocrático-oligárquico da UE, do papel político global que tem assumido, da sua adesão a soluções tipo NATO, da sua falta de autonomia perante os EUA, da sua política mediterrânica, etc., etc., etc.
Deixando de parte a discussão sobre a vida e morte das "civilizações" para que as observações da Joana apontam, o que sei é que uma UE em processo de democratização interna poderia e deveria desempenhar um papel fundamental e que, de momento, dificilmente poderá ser exercido por outros sem ela, na mundialização de um movimento democrático de transformação das relações de poder globais e da sua economia (política). E, do mesmo modo, não vejo que benefícios à escala global e local poderiam resultar da consumação da desagregação do projecto de uma Europa dos cidadãos e da extensão da sua participação igualitária na deliberação e tomada de decisões.
Saudações democráticas
msp
Aposto mais na iniciativa política das bases do PCp e do BE e nos movimentos sociais que, como diz acutilantemente a Joana Lopes, estão para ficar e consolidar-se.Bom debate que questiona em várias dimensões a ineficácia da política " profissional ",e que também " saltou " para outros patamares bloguistas. Acho que, para um recomeçar da revolução democrática lusa, é necessário que o PS se auto-reforme e o PCP e o BE
se unam num novo partido de Esquerda, anti-leninista e autogestionário...Miragens...Niet
Miragens, de facto, caro Niet...
Mas em relação aos contactos a nível das bases, eles já existem, muito mais do que se pensa.
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