«A discussão sobre o “Brexit” prossegue, sem dar sinais de esmorecer. Antes pelo contrário. A tempestade que ninguém esperava ainda está longe de revelar o seu comportamento futuro e as ondas de choque mal começaram a fazer-se sentir. (…)
Até pode ser verdade que os eleitores votam com a carteira, mas há valores para além da carteira que continuam a ser relevantes e que, em certas circunstâncias, se tornam determinantes. Estou a falar de algo cujo significado muitos em Bruxelas não conhecem. Estou a falar de dignidade. Uma palavra cuja evocação faz Durão Barroso sorrir durante as viagens aéreas com que cruza o Globo para servir os seus 22 empregos. Uma palavra que faz Jean-Claude Juncker sorrir durante os interlúdios etílicos em que sonha com os 22 empregos que as indulgências fiscais que pôs em prática no Luxemburgo lhe trarão como reconhecimento da sua actividade política.
E no entanto, uma certa ideia de dignidade foi sempre uma das mais importantes forças motrizes da história, para o melhor e o pior. Milhões de homens e mulheres escolheram morrer de pé em vez de viver de joelhos em nome dessa coisa vaga chamada dignidade, que somos incapazes de definir quando a temos mas que sabemos imediatamente que perdemos no momento exacto em que no-la roubam. Essa dignidade depende da liberdade mas exige também algo ainda mais simples: o respeito que as pessoas de bem dedicam umas às outras. Para mim, o momento onde a UE mostrou o grau da indignidade a que estava disposta a chegar aconteceu na longa noite onde Tsipras foi submetido à sua sessão de waterboarding, uma sessão de humilhação levada a cabo pelo Conselho Europeu. Para mim, esse foi o dia em que a UE morreu. O dia em que o copo de cristal se partiu, sem esperança de reparação. (…)
É porque a UE já não sabe o que é a dignidade que deixou de conseguir conquistar algo para além da carteira dos europeus.
Os símbolos dessa indignidade multiplicam-se. É Juncker dizendo aos eurodeputados britânicos com um descaramento inaudito que já não deviam estar no Parlamento Europeu (ele, que, ao contrário deles, nem sequer foi eleito para o seu cargo). É o mesmo Juncker ameaçando o RU com um divórcio litigioso (com que autoridade? com que mandato?) para aterrorizar os outros países que se atrevam a referendar a permanência na UE e os cidadãos que queiram votar contra. É Valdis Dombrovskis ameaçando cortar os fundos estruturais para Espanha e Portugal. É Schäuble ameaçando Portugal com um segundo resgate por termos a veleidade de ter um governo de esquerda, apesar de continuarmos a acatar todas as imposições de Bruxelas. São todas as pressões em defesa de sanções a Portugal, sem outro sentido que não seja quebrar a espinha a um país que, depois de andar de joelhos, teve um arroubo de dignidade e decidiu levantar a cabeça. Esta é a indignidade de que muitos europeus (cada vez mais) preferem fugir. Ainda que paguem essa veleidade com a carteira. A dignidade não tem preço. Há quem não perceba.»
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