6.3.25

Luís Montenegro e a ilusão da confiança

 


«Luís Montenegro não tem um problema. Tem uma escolha. Durante duas semanas, podia ter esclarecido. Podia ter explicado. Podia ter dissipado dúvidas, provado que está e esteve em exclusividade, demonstrado que os seus rendimentos são transparentes, comprovado que a Spinumviva é uma empresa como qualquer outra e não um cofre blindado onde se depositam pagamentos a um primeiro-ministro em funções. Mas não o fez.

Escolheu outra coisa.

No sábado, subiu ao palco e disse que já disse tudo. Que não há mais explicações a dar. Que quem insiste em perguntar é porque não quer ser esclarecido. Como se a falta de resposta fosse um excesso de evidências. Como se o silêncio fosse esclarecedor. Como se bastasse decretar o fim da história para ela acabar.

Agora, Montenegro faz outra coisa. Transforma a sua própria crise num ultimato ao país. Transforma o seu governo num cavalo de ataque. Arrasta ministros, secretários de Estado, deputados, dirigentes do PSD, todos para um problema que é só dele. Esta crise não é sobre o governo. Não é sobre o partido. É sobre a prática do Primeiro-Ministro. Sobre o que fez. Sobre o que não explica. Sobre a dúvida que recusa dissipar.

E, se não se dissipa, é porque a dúvida é mais fácil de gerir do que a resposta. Porque é preferível mudar de assunto a enfrentá-lo. Porque, perante a escolha entre esclarecer e dramatizar, Montenegro escolheu o teatro.

Se o governo está em risco, foi o Primeiro-Ministro quem o colocou lá. Se há instabilidade, foi o Primeiro-Ministro quem a criou. Se o país está a ser empurrado para uma crise política, foi o Primeiro-Ministro quem decidiu que seria mais fácil submeter-se a eleições do que submeter-se a perguntas.

Montenegro não quer resolver esta crise. Quer sobreviver a ela. E, para sobreviver, transforma-a num referendo sobre a sua própria existência. Quem não está com ele, é contra ele. Quem insiste em esclarecer, quer desestabilizar. Quem pergunta, trama. Quem exige respostas, persegue.

E assim se reescreve a narrativa — se o Parlamento não o apoia, o problema não está no governo, está no Parlamento. Se a oposição exige respostas, o erro não está na falta de explicações, mas em quem as pede. Se há dúvidas sobre a Spinumviva, a questão não é quem as gerou, mas quem insiste em não as ignorar.

E é por isso que Montenegro escolheu a única saída que ainda controla. Se não querem confiar nele, então que seja Portugal a decidir. Antes eleições do que uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Antes o fim do governo do que o início da transparência.

Que fique claro: Luís Montenegro precisava de esclarecer e provar que está e sempre esteve em exclusividade. Que todos os rendimentos que recebeu, pessoais ou empresariais, têm origem verificada. Que a Spinumviva não é um meio encapotado de receber pagamentos enquanto exerce funções. Mas não o fez.

Em vez disso, escondeu os clientes. Escondeu os valores. Escondeu a natureza do serviço prestado. Durante duas semanas, fugiu a todas as perguntas. Sabia o que era suspeito. Sabia que tinha de esclarecer. Sabia o que estava em causa. Escolheu não responder.

E, no fim de contas, não conseguiu afastar a dúvida que se impõe: que aquelas avenças foram pagas a Luís Montenegro através da Spinumviva, quando já era primeiro-ministro. Se assim for, não há sequer legalidade que o salve. Não tem legitimidade.

Esta é a verdadeira razão para apresentar uma moção de confiança. Apresenta-a porque sabe que não tem confiança. Porque sabe que não tem legitimidade para continuar no cargo sem explicar. E porque, no fundo, sabe que a sua única estratégia é transformar a crise num duelo: ou ele, ou o caos.

Prefere arrastar o país para eleições do que responder. Prefere incendiar a casa em vez de abrir a porta.

Quer ser Cavaco em 1987. Quer transformar a crise num plebiscito. Quer que o país escolha entre ele e a instabilidade. Mas há um problema: a instabilidade, desta vez, não nasceu na oposição. Nasceu no governo.

Cavaco caiu porque não tinha maioria absoluta. Montenegro cai porque tem um problema que se recusa a esclarecer.

E se há algo mais absurdo do que aceitar a instabilidade em nome da estabilidade, é isto: aceitar Montenegro como o homem certo para resolver o caos que ele próprio criou.»


1 comments:

Fenix disse...

O sr. Luis Montenegro anda em campanha eleitoral desde que ganhou as eleições por "poucochinho". O orçamento passou contra as suas expectativas, e eis que surge uma oportunidade de ouro para ele tentar a maioria absoluta...

E, apesar de pouco verosímil, com este eleitorado acomodado e "esquerdofóbico" é bem capaz de acontecer!