«Muitos perguntam porque Montenegro não fez o que tinha feito com a polémica sobre a sua casa. Talvez não possa. Quando se queixou, perante as primeiras perguntas a que não respondeu, que as suas respostas nunca seriam suficientes, é provável que soubesse que o suficiente não seria bom para ele. Mas o que sabemos chega. A Spinumviva é de Montenegro. O facto de anunciar, depois de se ter “desvinculado”, que as quotas da mulher iam para os filhos foi a enésima confissão de propriedade. Do que sabemos, a empresa não tem serviços especializados internos, instalações, material, site, telefone próprio, quadro de pessoal ou investimento. Subcontrata, pagando 11% da faturação a quem realmente presta o serviço e não precisaria dela para o fazer. O seu negócio são os contactos de Montenegro, que não tem uma vida empresarial, tem rendas. Usando uma expressão de Pedro Nuno Santos, na quarta-feira, não é “uma empresa a sério”, é um avatar do primeiro-ministro, que ficou no âmbito familiar para contornar o dever de exclusividade. Não existe para além dele.
Porque não sabíamos nada disto? Porque Montenegro fez uma campanha baseada na gestão dos silêncios, que não poderá repetir. Porque acabou por passar por uma remodelação e 15 dias de suspeitas sem responder a uma pergunta dos jornalistas. Porque só deu uma entrevista (amigável) desde que chegou ao poder. Porque foram raríssimas as suas conferências de imprensa com perguntas. No sábado, mandou cinco ministros a cinco canais responder às perguntas que ele se recusara a responder minutos antes. Perguntas sobre os seus negócios e a sua vida patrimonial. O escrutínio não serve para matar ou desgastar políticos, como a vitimização de Montenegro quer vender. Serve para defender o Estado e o interesse público de políticos demasiado vulneráveis. Aprendemo-lo amargamente com Sócrates. Furtar-se ao escrutínio, que inclui a imprensa, é desrespeitar a democracia. Desrespeito que deixou claro quando desabafou que tem mais que fazer do que estar sempre a responder a deputados.
Ao escrutínio exigido pela oposição, o primeiro-ministro deu uma resposta assombrosa: ou param de fazer perguntas ou crio uma crise política. Ou a oposição faz uma jura de silêncio sobre estes casos ou temos novas eleições. E assim foi, com um roteiro, entretanto divulgado pela comunicação social, para atirar o país para a crise no pior momento internacional possível. Perante a possibilidade de se esgotarem todos os instrumentos de esclarecimento, só Montenegro saberá porque prefere este caminho. Ainda assim, mostrando que a desfaçatez nunca desiste de derrotar a lógica, quem apresenta a moção de confiança faz apelos para o PS a aprovar, em nome da estabilidade, quando, para isso, bastava não a apresentar. Teoricamente, o Governo tem todas as condições para governar: orçamento viabilizado, duas moções de censura chumbadas e um Presidente retirado. É por causa da insustentável ausência de condições éticas para o cargo que ocupa que Montenegro escolheu não o fazer e preparou a queda que sempre desejou.
Montenegro sempre quis eleições e escolheu a revelação das suas próprias falhas para as provocar. Não se pode dizer que lhe falte audácia. Também na confiança na sua inimputabilidade começam a desenhar-se parecenças com Sócrates. É surreal que, perante tudo isto, ainda haja quem tente dividir pelo PS e pelo Presidente as culpas de uma crise com um único responsável. Desde o primeiro dia que Montenegro sabe, porque foi claramente dito, que uma moção de confiança seria chumbada. É o seu comportamento, primeiro, e a decisão de forçar eleições, depois, que levam a esta crise. É o solitário responsável por tudo isto.
Mesmo que a AD se tente concentrar numa situação económica ainda favorável, que o primeiro-ministro dê todas as entrevistas que recusou para instalar a vitimização pela crise que forçou e que distribua dinheiro pelo povo, a campanha será sobre os seus negócios. Será um plebiscito a um político fragilizado e sem qualquer capacidade de fazer, a partir desta semana, pontes com seja quem for. Será uma campanha feia, que deixará marcas na democracia. Perante tudo isto, não era uma moção de confiança que se exigia. Era que se demitisse, porque o problema é ele. Ele é a crise. Se as pequenas carreiras locais não tornassem os dois grandes partidos reféns dos seus líderes, Montenegro seria apeado esta semana. Como tornam, o PSD vai atirar-se para o lodo, em nome da sobrevivência de um homem desesperado. No passado, o PS cometeu o mesmo erro. Ficou uma profunda cicatriz na sua história.»
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