5.3.25

A gestão de silêncios de Montenegro arrastou-nos para isto. E continua

 


«Deixei fora do último texto uma parte relevante da crise ética (que o primeiro-ministro está empenhado em transformar numa crise política) que estamos a atravessar: os efeitos da estratégia de comunicação que Montenegro tem imposto à comunicação social e que esta passivamente tem aceitado.

Na rede social X, o jornalista Pedro Coelho fez uma pergunta que é uma autocritica coletiva, que nos inclui a todos: “Como foi possível que o caso de Luís Montenegro estivesse silencioso um ano depois da posse e três anos depois de ter chegado a líder do PSD?” A noite sábado ajuda a responder. Sem direito a perguntas, Luís Montenegro usou, em direto e mais uma vez, o horário nobre das televisões para 50% de propaganda, 50% de manobras palacianas (expressão sua) e 0% de esclarecimento.

Desde que chegou ao poder, e já lá vai quase um ano, Montenegro deu uma única entrevista amigável (nada contra, há muitos géneros de entrevista) e com entrevistadora escolhida por si. E pouquíssimas conferências de imprensa com direito a perguntas. Fez uma remodelação sem nunca ter de a justificar publicamente. Passou por 15 dias de suspeitas, em que é acusado de receber uma avença de uma empresa dependente de decisões do Estado, sem falar com jornalistas. Falou e voltará hoje a falar, obrigado pelo Parlamento, com as suas regras mais favoráveis. E na tal conferência de impressa sem perguntas.

Sempre disse que, na sua relação com a imprensa, Montenegro tinha decidido regressar ao estilo de Cavaco Silva. Mas sempre achei que isso seria impossível, num tempo em que temos cinco canais de informação permanente e redes sociais. Enganei-me. Desvalorizei a perda de capacidade de a comunicação social impor critérios básicos de escrutínio.

Na mesma noite em que Luís Montenegro se recusou a responder aos jornalistas sobre um caso suficientemente grave para ele achar que pode criar uma crise política, enviou cinco ministros aos cinco canais de informação (todos os que existem) para, em simultâneo, responderem a perguntas sobre a sua empresa, os seus negócios, a sua família. Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência, das Finanças, das Infraestruturas e da Economia discorreram sobre a avença do empresário Montenegro, falando sempre em nome de um terceiro e respondendo ao que o próprio se recusou responder em conferência de imprensa.

Foi caricato ver estas pessoas responderem a informação a que não têm acesso e não estão envolvidas. A prestação destes ventríloquos no esclarecimento da vida empresarial de um terceiro não representa apenas uma confusão entre governo, partido e Montenegro. Foi um ato de cobardia que os jornalistas aceitaram. E em que Montenegro tem confiado para evitar o escrutínio. Começa a ser claro porquê.

Voltando à pergunta de Pedro Coelho, uma das funções das campanhas eleitorais é o escrutínio prévio, para não ficarmos na situação que estamos (e em que já estivemos no passado): ter eleito alguém que conhecemos muito pior do que pensávamos e isso poder provocar uma crise política. O escrutínio, por vezes impiedoso, mas inevitavelmente necessário se não ultrapassar os limites do puro voyeurismo, não serve para matar políticos. Serve para defender o Estado e o interesse público de políticos demasiado vulneráveis para governar. Furtar-se a ele é desrespeitar a democracia.

Luís Montenegro já fizera uma campanha baseada na gestão do silêncio. Estranhamente, ouvi jornalistas elogiarem a opção, não percebendo que ela diminui o escrutínio e a função da imprensa. E foi por isso que, no dia das eleições, sabíamos quase tudo sobre Pedro Nuno Santos e fiávamo-nos no perfil que a propaganda construiu de Luís Montenegro.

Houve uma única entrevista mais dura, conduzida por Bernardo Ferrão, na SIC Notícias, quando Montenegro chegou à liderança do partido. Estranhamente, as dúvidas que ali surgiram não tiveram continuidade. Os ajustes diretos com as autarquias do PSD, que foram o tema dessa entrevista, não voltaram a ser tema na campanha.

O resultado está à vista e veremos se não nos tratará mais surpresas: o escrutínio está a ser feito a um primeiro-ministro em exercício sobre o qual deveríamos saber quase tudo antes de ter sido eleito. Como se viu no sábado, a estratégia que tornou isto possível continua a funcionar. E os jornalistas continuam a aceitá-la.»


1 comments:

Fenix disse...


"E os jornalistas continuam a aceitá-la"

Pobres jornalistas...!

Não estivesse a comunicação social nas mãos dos poderosos capitalistas e outro galo cantaria!