«Quem, na oposição, aceitou equiparar a PSP e a GNR à PJ, forças incomparáveis nas funções, critérios de entrada ou exigências de exclusividade, estava, quando chegasse ao poder, condenado a beber o cálice da demagogia até ao fim. Governar em campanha tem riscos, e era inevitável que a aproximação do subsídio de risco das forças de segurança ao suplemento de missão de uma polícia de investigação se alastrasse a outras forças do Estado. Como se explica aos bombeiros que um polícia receba um subsídio de risco de €350 (em 2025) e €400 (em 2026) e eles de €37 (em 2025) e €100 (em 2027)? E só se aceitarem mais 31 horas gratuitas de trabalho mensal. Feitas as contas, a sua luta teria servido para receberem menos à hora. E como não se indignarem quando, apesar de o salário médio líquido ser de €972 (a que acrescem subsídios), a primeira proposta do Governo ter sido a de baixar o salário de entrada? E como não se impacientarem quando a sua carreira não é revista há 20 anos? Especificidades à parte, é mais uma classe a sofrer duas décadas de degradação da Função Pública que acompanha um discurso político de ataque às funções do Estado.
Com as alterações climáticas, a proteção do território, das cidades e das florestas dificilmente poderá continuar a basear-se em corporações voluntárias, mesmo que tenham um papel complementar. Precisaremos de uma estrutura profissional e nacional com carreiras atrativas. Preparar o país para os efeitos das alterações climáticas tem custos pagos pelos impostos. A alternativa é serem pagos pela economia e com vidas. Assim como tem custos o envelhecimento da população, graças a melhorias da medicina. Ou a robotização da economia, com dispensa de várias funções. É impossível cobrir estes custos se o populismo fiscal continuar a dominar o discurso político. Ou a competição fiscal continua a ser a base da concorrência entre economias ou os Estados continuam a cumprir as suas funções. As duas coisas são incompatíveis.
Dito isto, não precisamos de grande imaginação para prever o que faria a polícia se os jovens dos bairros da periferia de Lisboa se tivessem manifestado, na Avenida da Liberdade, como os bombeiros se manifestaram na terça-feira. Não podemos aceitar que quem é pago para nos proteger seja fonte de insegurança. Que funcionários públicos se manifestem de cara tapada, lançando petardos e espalhando o medo. Não me esqueço, no entanto, do silêncio de Luís Montenegro quando uma turba de polícias cercou um debate entre os dois principais líderes partidá¬rios. Ao contrário do Governo com os bombeiros, até sublinhou que não se tinha sentido condicionado, coagido ou cercado. Não me esqueço da conivência com todas as demonstrações de abandalhamento nas forças que armamos, aproveitando-o até. Ou do oportunismo de quem se pendurou em “movimentos inorgânicos” de enfermeiros, fragilizando os sindicatos. Não se pode queixar do incêndio quem condescendeu com os pirómanos.
Não se pode esperar que os bombeiros respeitem uma barreira de polícias quando os polícias fizeram o mesmo nas escadarias da Assembleia da República. Não se pode esperar respeito pela lei quando a PSP que enviou queixa por manifestação ilegal para o Ministério Público foi a mesma que viu os seus agentes fazerem o mesmo no cerco ao Capitólio, sem os punir. O poder político não pode esperar respeito pelas regras quando um partido instala a baderna no Parlamento perante a tibieza medrosa de quem o preside.
Quando saíram das negociações, os dirigentes sindicais explicaram que a manifestação não fora marcada por eles. Conhecemos a marca de água daquele comportamento. É dos que, para além de degradarem as instituições, fazem tudo para fragilizar os sindicatos, deixando os trabalhadores mais vulneráveis. Sabem o que o Chega vai dizer agora? Que enquanto se aumentam os políticos (falso) não se aumentam os bombeiros. E sabem como o Governo vai reagir? Aumentará o populismo securitário que cairá sobre imigrantes e os desgraçados dos bairros, nunca sobre os “desordeiros de bem”.
Mais do que o Governo ou o patrão, quem alimenta estes movimentos “inorgânicos” tem os sindicatos como alvo. E a suspensão das negociações, parecendo acertada, acabou por sobrepor o caos da rua ao diálogo sindical. Em vez de se sentir incomodado, quem andou a tirar poder aos sindicatos, desinstitucionalizando o conflito laboral, deve assumir as suas responsabilidades. E os sindicatos devem perguntar-se o que perderam para terem deixado de conseguir representar esta insatisfação.»
0 comments:
Enviar um comentário