«A Ponte Choluteca, nas Honduras, tem por baixo um leito seco e ao lado corre o rio com o mesmo nome, desviado durante o furacão Mitch. Esta é a imagem da inadequação do nosso sistema de saúde para tratar os nossos idosos, particularmente os mais frágeis e com múltiplas doenças crónicas. Estes doentes, que são os grandes utilizadores dos sistemas de saúde, representam cerca de 5% da população mas 40% a 50% das despesas em saúde. Este silver tsunami, como é apelidado na literatura internacional, é particularmente avassalador em Portugal, porque temos uma esperança de vida superior à média europeia, somos dos países com menor número de anos de vida saudável depois dos 65 anos (6,7 anos para as mulheres e 7,9 para os homens, em 2017) e também porque somos dos países, a nível mundial, onde a esperança de vida mais vai crescer.
Encontrar respostas para este problema tem sido uma prioridade da Organização Mundial da Saúde e de muitos países, no entanto, Portugal continua a ignorá-lo.
Estes doentes são complexos, a resposta é complexa e ninguém tem a solução milagrosa. Passará seguramente por mais prevenção, mais literacia, pela modificação dos comportamentos de risco, por melhores condições económicas, mas também por mudar o modelo atual de cuidados. Os hospitais que temos, fragmentados em silos dedicados a órgãos ou sistemas, já não servem, precisamos de modelos departamentais geridos por internistas que assumam a coordenação dos cuidados a estes doentes. O apoio que lhes é dado, quando são internados nos serviços cirúrgicos, é reativo e geralmente tardio; deveríamos ter equipas de internistas sediadas nos serviços cirúrgicos que os tratassem de uma forma proativa, preventiva e atempada. As enfermarias, onde prevalece a praga das infeções hospitalares, são inseguras e um ambiente adverso para os idosos. Necessitamos de programas de hospitalização domiciliária que conservem os doentes na sua casa ou nos lares. Os cuidados que estamos a prestar a esta população são fragmentados, episódicos, através das urgências hospitalares e com programas centrados em doenças. É urgente mudar este paradigma e prestar cuidados integrados e centrados nas pessoas. Esta resposta tem de ser multidisciplinar e de natureza sociossanitária, envolvendo também os recursos da comunidade, porque é cada vez mais difícil separar os problemas de saúde dos problemas sociais. Algumas destas mudanças já começaram em alguns hospitais do SNS.
Também a nossa formação médica é inadequada: fomos treinados para diagnosticar, não para avaliar a cognição, a capacidade funcional ou o risco de queda. Ensinaram-nos a prescrever, mas os idosos precisam que lhes simplifiquemos a medicação, fomos educados para tratar, mas precisamos aprender a cuidar e a aliviar o sofrimento, aprendemos a reanimar, mas temos de saber respeitar a dignidade da morte, e, sobretudo, temos de conhecer os doentes, quais as suas preocupações e prioridades, em vez de nos limitarmos a catalogá-los por doenças.
Finalmente, uma das mais graves e mais ignoradas discriminações de género, que é a das mulheres na velhice: as mulheres vivem mais seis anos que os homens, em muitos casos são mais novas que os maridos, têm menos um ano de vida saudável depois dos 65 anos e auferem pensões inferiores em cerca de 30% às dos homens. Muitas mulheres são as cuidadoras da família, às vezes abandonando precocemente os seus empregos. Mas quem cuida das mulheres quando ficam sozinhas? Quem as apoia quando têm de ser cuidadoras? A formação e a remuneração dos cuidadores, que são, na sua grande maioria, mulheres, poderia amenizar esta discriminação. Urge que os partidos e os decisores políticos elejam a resposta aos doentes idosos, crónicos e complexos como uma prioridade!»
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