4.6.18

Racismo? Sim, até na Feira do Livro



Amplamente divulgada no Facebook, é bom que a notícia chegue também aos jornais. Com um comentário meu: quando, desde há alguns anos, a Feira do Livro passou a utilizar «voluntários», recrutados por anúncios divulgados publicamente e sem lhes pagar um cêntimo, está-se à espera de quê?


Transcrevo, na íntegra, o que Bárbara Bulhosa publicou ontem no Facebook:

«Desde 2006 que a tinta-da-china participa na Feira do Livro de Lisboa. Todos os anos organizamos vários eventos, de lançamentos de livros, a debates e sessões de autógrafos. Sempre tivemos uma boa relação, de respeito mútuo, com a APEL, responsável pela organização desta festa da cidade.

Pois bem, ontem às 14h, fizemos um debate na Praça Laranja, a propósito do livro "Racismo no país do brancos costumes", de Joana Gorjão Henriques. O tema do debate era activismo, a que um dos capítulos do livro se dedica. Convidámos Beatriz Dias, Mamadou Ba, Ana Tica e Raquel Rodrigues. Sabíamos que tínhamos 50 mn. Que às 15h haveria outro evento na Praça.

A voluntária "contratada" pela APEL, passou o debate a gesticular e mandar bocas a dizer que não concordava nada com o que estava a ser dito, "esta gente", repetiu várias vezes. Eu, que estava na primeira fila, ignorei os seus comentários, que para além de serem de uma enorme indelicadeza (estava vestida com a camisola da APEL), revelavam de forma inequívoca o que pensa sobre o racismo e o que diz "esta gente".

O problema surgiu quando às 14h49, começou a mandar calar directamente os intervenientes. Aproximou-se do palco e disse ao Mamadou Ba, que estava a falar: "Vê lá se te despachas!" O Mamadou Ba, apanhado de surpresa, calou-se e a Joana Gorjão Henriques terminou a sessão imediatamente.

O caldo entornou. Eu saltei da primeira fila e abordei a senhora voluntária dizendo-lhe peremptoriamente que não podia mandar calar um convidado que estava a falar para uma plateia cheia. Que não funcionava assim. Que não pode tratar por tu um desconhecido, que em 12 anos de Feira do Livro nunca tal me tinha acontecido. Já atrasámos várias vezes, é verdade, mas não era o caso e quando tal aconteceu nunca ninguém da APEL cortou a palavra ao orador.

Parecia encomendado. Uma performance racista, num debate contra o racismo. Estava boquiaberta. Mas a senhora, Beatriz Reis, a quem pedi identificação para apresentar queixa, foi mais longe. Desatou num chorrilho de insultos "com a tinta-da-china é sempre isto", "quem julgam que são?", etc.

De imediato, telefonei ao Carlos Beirão, responsável da APEL, encarregado da feira há anos, e contei-lhe o que se tinha passado, dizendo-lhe que não queria mais ali aquela senhora. Respondeu-me que iria substituir. Ainda lhe disse que iria tornar este acontecimento público, ao que me respondeu: "Não me ameaces". Sem mais. Não me veio pedir desculpas pelo sucedido, nem à autora e convidados. Aliás, ninguém me disse nada da APEL. Achei muito estranho. Pagamos para estar ali, a Feira sempre foi um espaço de liberdade e o que aconteceu ontem mostrou-me que nem sempre estamos à altura das nossas responsabilidades. Pela minha parte, pedi desculpas a todos os intervenientes no debate e farei queixa, desta vez por escrito, ao presidente da APEL.

Curiosamente, mais tarde, fiz o lançamento do livro do Gustavo Pacheco com o Ricardo Araújo Pereira, terminámos 10 mn depois da hora e para além de não estar presente nenhum elemento da APEL, ninguém nos mandou calar.»
.

0 comments: