5.6.18

Enfim, uma geringonça!



«Ao formarem governo, os socialistas espanhóis deram pretexto a uma comparação, agora bastante repetida entre nós: eis outra geringonça! Comparação errada, se é que se quis dizer que o PSOE conseguiu o mesmo que o PS português. Um partido governar não tendo maioria no Parlamento seria analogia melhor. Mas não é essa a que tem sido usada porque a simples circunstância - governar sem deputados suficientes para fazer sozinho maioria (o PSOE tem 84 eleitos, no total de 350 no Congresso dos Deputados) - já acontecera outras vezes, tanto em Espanha como em Portugal.

Porém, lançar a ideia de "geringonça à espanhola" pode vir a dar aos adversários do governo de António Costa uma vantagem: Pedro Sánchez tem fortes probabilidades de cair antes de acabar a legislatura portuguesa. E, então, lá se recordará daqui a pouco: a dos vizinhos já foi, agora só falta a nossa... Assim, a atual exportação do termo permitirá a chicana política que se pretendia que tivesse a invenção da "geringonça" por cá, mas nunca teve, ao ponto de os protagonistas dela, o PS, o PCP e o BE, a assumirem como uma alcunha simpática.

A palavra, lembro, foi inventada por um cronista, Vasco Pulido Valente, tão bom de frases límpidas quanto é desacertado em batizar políticas e políticos. Um dia, ele chamou a António Guterres "picareta falante". Ora, a imagem daquele que viria a ser secretário-geral da ONU indiciou sempre mais um político de falar cauteloso, aborrecido até, do que o violento e incisivo que a ideia de picareta fazia supor. Também foi de Vasco Pulido Valente o cunhar da "geringonça" para o governo PS, apoiado pelos comunistas e bloquistas. Ora, geringonça é aquilo que é mal-amanhado e precário. A imagem foi lançada logo a seguir a Costa ter chegado a São Bento e só aí poderia ter algum sentido, como previsão. O tempo tornou-a tola. Porque ela durou (provavelmente pela legislatura toda); e sobretudo pelo evidente benefício político que a geringonça trouxe ao país. Obrigou dois partidos, PCP e BE, que tinham sequestrado o voto de um terço dos portugueses, a responsabilizarem-se pelo governar e não só a dar bitates...

Outra coisa é o governo do PSOE, um remedeio, não mais, para Sánchez chegar ao poder. Ele foi só possível com o apoio de forças centrífugas e independentistas, do País Basco e da Catalunha, e vai ser curto. Em Espanha, sim, está a acontecer uma geringonça, coisa mal--amanhada e precária.»

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