«Nunca se ultrapassar o limite do bom senso e do que é razoável”. Assim fixou António Costa a orientação para o Orçamento de Estado para 2021. Acho sinceramente que tinha toda a razão. Falemos então de bom senso e razoabilidade.
É de bom senso – não só agora, no cenário de sobre-pressão sobre o SNS, mas também depois, quando tivermos que recuperar a imensa atividade assistencial adiada – forçar um hospital a esperar meses pela contratação centralizada de uma médica ou de um enfermeiro? É razoável manter como resposta à evidente necessidade de robustecimento do SNS uma rotina de falta de ambição que se traduz em menos 1029 médicos agora que em janeiro? Não é razoável que se atribua aos hospitais autonomia para fazerem as contratações, não apenas as de emergência mas as que se revelarem necessárias para a garantia do direito à saúde de todos? É razoável contratar serviços a privados e não contratar os profissionais de saúde que fazem falta ao SNS?
É de bom senso, numa altura em que o desemprego está a crescer em flecha, admitir que empresas que têm lucros e que beneficiam de apoios públicos, possam despedir?
É de bom senso que, sabendo que cerca de metade dos desempregados não beneficiam de qualquer prestação de desemprego e que só 2% acedem ao subsídio social de desemprego, se mantenham as restrições nestes dois apoios que a austeridade e a troika impuseram? É de bom senso mantermos prestações de desemprego abaixo do limiar de pobreza? É de bom senso, nestes dias de despedimentos em massa que atiram tantos milhares de homens e mulheres para o vazio, manter as compensações por despedimento nos 12 dias por cada ano de trabalho impostos pelo governo das direitas, quando a própria Troika tinha fixado 20 dias, reduzindo os 30 que vigoravam até então? Não era razoável a crítica acérrima que o PS então fez a esta medida do governo PSD-CDS?
É razoável admitir uma nova transferência de 470 milhões de euros para o Fundo de Resolução injetar no Novo Banco sem primeiro haver uma auditoria que permita avaliar a gestão do banco? É de bom senso tomar como intocável o cumprimento do ruinoso contrato de venda se a gestão pela Lone Star se confirmar ruinosa?
É razoável e de bom senso o minimalismo do “atuar na margem”, com medidas pontuais e transitórias, voltando já a pôr no centro da política orçamental a redução do défice e, portanto, a contração do investimento público, como defendeu o Governador do Banco de Portugal na sua admonitória intervenção de doutrinamento do Governo?
Razoabilidade e bom senso, para o tempo que estamos a viver, só podem significar máxima determinação na rutura com o budget as usual. Agir na margem e manter a redução do défice como mandamento, mesmo quando os ortodoxos de Bruxelas o dispensam, é estado de negação. Ou preconceito ideológico. Ou as duas coisas.»
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