1.12.20

Salvar as presidenciais

 


«Tudo indica que, a 24 de janeiro, aquando da primeira volta das presidenciais, o contexto sanitário não será muito diferente do atual. Mesmo que já libertos do estado de emergência, continuará a haver restrições de movimentos e de aglomerações, em particular ao fim de semana. Para muitos portugueses, o confinamento será mesmo uma obrigação, por estarem infetados ou por fazerem parte dos grupos de risco, como acontece com os 100 mil idosos que vivem em lares. Obviamente, a pandemia não pode suspender direitos e deveres políticos e não há nenhum motivo para adiar as presidenciais. Em todo o caso, estas eleições não podem ser marcadas em registo burocrático, fingindo que não é preciso fazer nada para tornar possível o voto. 

A questão é fundamental. Uma das obrigações do Estado é garantir e promover a participação política. É possível antecipar que teremos uma campanha desafiante para todos os candidatos, sem momentos de massas, com poucos eventos e que, por isso, contribuirá marginalmente para a mobilização eleitoral. Há um risco de termos um surto de abstenção, o que diminui objetivamente a legitimidade dos eleitos. Mas, além disso, emerge também um problema com o voto, que merece reflexão, debate e propostas em tempo útil. 

Tal como no estado de emergência têm de ser garantidos direitos políticos aos partidos, os cidadãos não podem ser privados do direito ao voto. Agora que faltam curtos 60 dias para as eleições, está o Parlamento a trabalhar em alternativas para alargar os mecanismos de participação? A CNE tem alguma ideia de como incentivar os portugueses a votar? O Ministério da Administração Interna está a trabalhar em soluções complementares ou vamos ter um ato eleitoral igual aos do passado? O Presidente da República promoveu alguma reflexão sobre o tema? 

Não somos o primeiro país a organizar eleições em tempo de covid, pelo que talvez valha a pena olhar para o que se passou noutras democracias. E a questão não pode ser apenas assegurar condições sanitárias (o que implicará transformações nas mesas de voto). Nestes meses, já ocorreram experiências interessantes que vão do alargamento do voto antecipado e por correspondência, passando por voto através de drive-through (de modo a diminuir contactos), até à criação de urnas móveis, levadas ao local onde se encontram, por exemplo, idosos confinados. 

Independentemente das soluções a adotar, não se pode alterar procedimentos destes sem um debate público alargado e sem o envolvimento dos vários interessados, sob pena de assistirmos entre nós à repetição de processos eleitorais marcados por incidentes. Se não houver discussão e transparência agora, as presidenciais correrão riscos.» 

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