«A estatística de acolhimento de refugiados em Portugal tem duas caras. Somos dos países europeus mais solidários, por termos recebido, nos últimos anos, 2 807 cidadãos estrangeiros ao abrigo de programas internacionais; mas temos uma das mais altas taxas de recusa da União Europeia: em 2020, dos 420 pedidos de asilo efetuados, 325 acabaram indeferidos.
O saldo, ainda assim, é francamente positivo. E podemos afirmar, com alguma ponta de orgulho, que a nossa pobreza sistémica não nos impede de esbanjarmos decência e humanidade. A estatística, porém, não é capaz de nos contar as histórias de quem forra os números com dramas familiares que nos confrontam com os nossos luxos quotidianos e contentamentos frágeis.
A cruzada de Nadege Ilick é, nesse capítulo, exemplar do que deve ser a política de acolhimento de um país e, sobretudo, da forma como as organizações não governamentais devem trabalhar, em comunhão com os estados e as empresas.
A jovem camaronesa deixou, em 2016, os três filhos na terra natal, de onde fugiu para não ser vendida para um casamento forçado. Nadege passou pela Argélia, pela Líbia, foi de barco para Itália e, em setembro de 2019, fixou-se em Braga, amparada pela Plataforma de Apoio aos Refugiados. Nunca esqueceu os filhos. E, cinco anos volvidos, os braços desta jovem mãe puderam agrilhoar Brenda, Beryl e Jhoae. Nadege teve de tratar de documentos, estabelecer-se, aprender português, encontrar um trabalho. A burocracia não a vergou. E várias vontades se juntaram.
A camaronesa foi acolhida pelo Colégio Luso-Internacional de Braga (sendo acompanhada de perto por Helena Pina Vaz), teve a preciosa ajuda do embaixador Luís Barros, que concedeu três salvo-condutos às crianças, contou com o apoio da administração da Mota-Engil (que tem obras nos Camarões) e pôde confiar nas asas da Turkish Airlines para trazer os menores nesta viagem bonita. Descrito desta forma, até parece fácil. Mas não é. Nesta história tudo funcionou como devia porque todos fizeram o que deviam. E isso merece ser aplaudido. Por Nadege, por Brenda (que também estava na iminência de ser vendida), por Beryl e por Jhoae. Por nós.»
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