«O limbo dos refugiados climáticos
«Segundo um relatório do Internal Displacement Monitoring Centre, desde 2008 mais de 376 milhões de pessoas foram obrigadas a deslocar-se involuntariamente devido a cheias, tempestades, terramotos e secas. Em 2022 tivemos o recorde anual de 32,6 milhões de pessoas deslocadas por eventos climáticos. O Institute for Economics and Peace prevê que até 2050 o número total de refugiados climáticos chegue aos 1,2 mil milhões. Mas o que é um refugiado climático?
A definição não é clara, e o conceito não está abrangido pela Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, que define o que é um refugiado, estabelece os direitos a quem é concebido o direito de asilo, assim como as responsabilidades dos Estados que o concedem. Segundo esta Convenção, um refugiado é um indivíduo que tem razões legítimas para temer ser perseguido segundo a sua raça, religião, nacionalidade, ser membro de um grupo social ou pelas suas opiniões políticas que não consegue ter proteção por parte do seu país. Em nenhuma destas categorias se enquadra a deslocação por força das alterações climáticas.
Enquanto os tratados universais dos direitos humanos não referem um direito específico a um ambiente saudável e seguro, todos os tratados das Nações Unidas reconhecem a ligação entre o ambiente e um número de direitos humanos, como o direito à vida, à saúde, à comida, à água e à habitação. Todas estas áreas são suscetíveis de interferência por parte das alterações climáticas.
Desde a 24.ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP) que se tenta definir este conceito. No entanto, os países integrantes têm declarado que preferem resolver e mitigar os efeitos das alterações climáticas na sua origem, como a diminuição dos gases de efeito de estufa. O problema desta narrativa é que já sentimos os efeitos das alterações climáticas. Em setembro de 2023, a tempestade Daniel vitimizou 12.000 vidas na Líbia e 40.000 pessoas foram forçadas a realojar-se. No verão de 2023, as cheias na região Emília-Romanha, em Itália, matou 14 pessoas e 50.000 ficaram sem as suas casas.
No ano anterior, cheias no Paquistão desalojaram mais de dez milhões de pessoas. Estes cenários tendem a piorar, e se é verdade que a maioria destas pessoas se desloca para outras regiões do seu próprio país, existem muitas outras que não, o que leva a que fiquem num limbo jurídico e prático. Durante uma audição do Comité Europeu Económico e Social, Isabel Borges, professora da Universidade de Oslo, explicou que a falta de uma definição do que constitui uma pessoa deslocada por motivos climáticos resulta na incapacidade de medição das pessoas afetadas.
No entanto, mesmo dentro das Nações Unidas não existe consenso em relação a definir um “refugiado climático”. Um refugiado pressupõe na sua definição jurídica que está impedido de regressar ao seu país de origem por perseguição do próprio Estado, tal não acontece em desastres climáticos. A solução poderá passar por realizar um novo tratado ou convenção, sendo a próxima COP29, que se irá realizar em novembro no Azerbaijão, o momento ideal para se retomar este diálogo e encontrar uma solução para os futuros refugiados climáticos.
No que toca à ajuda financeira, as próximas eleições europeias deveriam também debater estas questões, visto que o Sul Global é a região mais afetada pelas alterações climáticas e os Estados-membros têm uma dívida moral para com esta região. Uma solução seria a União Europeia alocar a receita do novo Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM) a fundos de emergência para apoiar as populações que mais vão sofrer.
Sendo considerado por muitos como um imposto ambiental, não fará sentido a sua receita ser alocada à mitigação dos resultados das alterações climáticas e não ao orçamento geral da União Europeia como está previsto?»
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