29.5.24

Não reconhecer o Estado da Palestina é manter-nos numa ilha moral

 


«Ontem, Noruega, da NATO, e Espanha e Irlanda, da União Europeia, juntaram-se aos 142 países que reconhecem o Estado da Palestina (na UE, são Bulgária, Chipre, Hungria, Malta, Roménia, Polónia, Eslováquia – a Chéquia recuou no reconhecimento – e Suécia, a que se juntam mais dois), ignorando assim uma espécie de veto da Alemanha que, fazendo outros pagar pelos seus próprios crimes, bloqueiam um passo fundamental para a resolução do conflito israelo-palestiniano. Esperam-se, nas próximas semanas, que outros países, como a Bélgica e a Eslovénia, sigam o mesmo caminho.

António Costa tinha dado sinais de querer acompanhar este movimento, em conjunto com os espanhóis. No "Perguntar Não Ofende", Marta Temido defendeu esta posição, que também já parecia ser a de Mariana Vieira da Silva. Não é esse o entendimento do novo governo.

Em reunião com o chanceler Olaf Scholz, Luís Montenegro manteve Portugal na ilha de 48 países (em 193) que, fingindo defender a solução dos dois Estados, se recusam a reconhecer um deles. O argumento alemão, repetido acriticamente por quem prefere não ter política externa própria, é de um extraordinário cinismo: não existe clareza na definição das fronteiras. Há dezenas de Estados com disputas fronteiriças. E estas, se são indefinidas, são-no para a Palestina e para Israel, Estado reconhecido por Portugal e Alemanha e, já agora, pela OLP (desde Oslo), gesto que nunca teve reciprocidade.

Luís Montenegro diz que é contra reconhecimentos unilaterais (não é a UE que reconhece Estados, o que quer dizer que Portugal prescinde de um poder soberano), apesar de 10 dos 27 já terem reconhecido a Palestina. Para Montenegro, participar num reconhecimento “multilateral” é ter autorização da Alemanha.

Reconhecer o Estado Palestiniano é reconhecer a Autoridade Palestiniana como seu governo. É assumir que a situação de semi-autonomia das autoridades palestinianas é um passo para a soberania, não uma aceitação de um regime colonial. É dar força aos que, em Israel, ainda defendem uma solução negociada. É assumir que o território palestiniano da Cisjordânia, onde se instalam centenas de milhares de colonos que roubam terras e casas a palestinianos e onde as tropas israelitas impõem a sua ordem arbitrária, são territórios ocupados por outro Estado. E é não deixar que os crimes cometidos nesses territórios continuem a ser tratados como assunto interno de Israel.

Quem diz defender uma solução de dois Estados tem de reconhecer, para começar, a existência de dois Estados. Não reconhecer um deles é aceitar a ocupação colonial e, no limite, a sua consequência extrema, que é o genocídio.

Perante o desprezo pelo direito internacional, os mandados do Tribunal Penal Internacional, as decisões do Tribunal Internacional de Justiça e o agudizar dos abusos (vale a pena ler a reportagem do “Washington Post” sobre a organização de milícias de extrema-direita que destroem ajuda humanitária aos palestinianos com a complacência das autoridades e ajuda de militares e polícias) e a pressão da opinião pública, se não é agora que se reconhece a Palestina, nunca será. Esperar que o serviço esteja terminado em Gaza é ser cúmplice do que se está a fazer em Gaza.

Ao não acompanhar o movimento de vários Estados da União, alguns com peso político, para retirar a Europa do isolamento moral em que se encontra, Portugal fica, usando um termo com que embirro, do lado errado da história. Num momento em que o líder de um Estado ocupado, com quem somos justamente solidários, nos visita, é exibir ao mundo o rosto cínico da incoerência. Não podemos exigir solidariedade com os ucranianos se ignoramos o sofrimento dos palestinianos.»


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