«Esta semana foi exemplar quanto à toxicidade do ambiente político, em que pessoas individuais, grupos, partidos e instituições, como o Ministério Público, todos actuaram contra a democracia, todos ajudaram a corroer os fundamentos da vida em liberdade, em representatividade, e no primado da lei e dos bons costumes sociais e políticos. Não é que tudo o que se passou seja da mesma natureza e gravidade, mas tudo conflui no mesmo resultado de acentuar a crise da democracia, o bem político mais precioso nos nossos dias.
Os casos do Chega, o homem da mala e o Pró-Toiros que frequentava sexualmente meninos menores, são graves, mas são conjunturais. O único aspecto estrutural tem a ver com a falta de escrutínio dos candidatos e, depois, com a indiferença perante as suas idiossincrasias e comportamentos, que é impossível serem desconhecidos de quem os propõe e os escolhe. Isto não é específico do Chega, só que o dano destes casos é sempre maior, pela retórica moralista. Nesse sentido, o caso do Bloco de Esquerda tem os mesmos efeitos. Bloco de Esquerda e Chega sofrem do mesmo modo.
O caso Tutti-Frutti é bastante diferente, não é conjuntural, mas estrutural em dois aspectos muito perigosos para a democracia: a degradação interior dos partidos de poder e o papel do Ministério Público. Nenhum me surpreende particularmente, porque conheço bem como os partidos funcionam por dentro, e se vou dar exemplos do PSD, isso não significa que no PS não seja exactamente na mesma. Insisto, exactamente na mesma, como se verifica no homem que sendo técnico de um município fazia marquises para o concelho do lado, e o mesmo homem cujo CV na Assembleia da República é o único que não existe no original mas em fotocópia e o único rasurado. Fora o resto.
No caso do Tutti-Frutti nada me surpreende, visto que na minha experiência política mais falhada, a de presidente da Distrital de Lisboa do PSD, foi também aquela em que mais aprendi sobre como funcionava a “coisa”. Desde casos caricatos de uma vez abrir a porta de uma sala onde decorria uma reunião da distrital e cair um “jota” na sala visto que estava a ouvir colado à porta, até casos mais graves, como falsificações de delegações de voto para uma assembleia. Uma militante que trabalhava com a distrital resolveu um dia confirmar as delegações de voto e receber como resposta de uma mãe “mas o meu filho já está há mais de um ano na Austrália”… Ou a um autarca que era empreiteiro num concelho e que, após uma proposta que fiz e foi aprovada com dificuldade, de que não podiam fazer parte das listas pessoas com interesses profissionais na construção, urbanismo ou imobiliário, deixou de pagar quotas, de um valor superior ao habitual. Ou uma reunião com os financiadores da distrital, que resolvi fazer numa sala de hotel que tinha fama de ser universalmente escutada, desde serviços estrangeiros à PJ, e perceber que a sua principal preocupação, a que correspondia abrirem a bolsa (na altura isso era legal) era afastar alguns autarcas, mais do que financiar outros.
Na verdade, quando se colocaram regras dizendo que o financiamento devia ser para todos os candidatos, com o objectivo de apoiar os de concelhos com menos recursos, disseram que não e na semana seguinte estavam a encontrar-se com candidato a candidato para canalizarem os financiamentos para os concelhos que lhes interessavam, Sintra, Amadora, etc. Ou os que criticavam severamente o “desperdício” de dinheiro quando, pela primeira vez na história partidária, a distrital decidiu apresentar contas revistas por um revisor oficial de contas.
E há muitos mais casos com dois aspectos em comum: o de todos eles, apesar de serem públicas as suas malfeitorias, terem continuado a ter carreira no PSD, a ascenderem nas estruturas até aos dias de hoje; e o de que a comunicação social preferia os incidentes e era indiferente às tentativas de moralização.
Por fim, há o papel miserável, esta é a melhor palavra, do Ministério Público que demorou nove anos a decidir quem ia a tribunal e quem era inocentado das próprias suspeitas dos procuradores, com a agravante de fazerem uma pura vingança nos seus textos sobre Fernando Medina, sabendo que o atingido não tem nenhum meio para se defender das calúnias do Ministério Público. Se isto não é abuso de poder, como retaliação por um mau perder, sou venusiano, especialista em atmosferas tóxicas.»
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