17.9.23

Cuidado com os velhos punks

 


«A terceira idade é a idade da libertação. Como não vai haver quarta, a ambição é urgente: é morrer livre. E passar os últimos anos a aprender e a praticar essa liberdade, para vingar os anos todos em que se viveu preso, preso às regras e expectativas dos outros, a começar por aquelas a que nos prenderam os nossos pais.

Um velho livre, a votar e a fazer merda, a bater com o pé e a dominar invejavelmente as redes sociais e a Internet é um perigo. É o pesadelo de quem trabalha: velhos anarcas a esbanjar a fortuna de que dispõem, o tempo.

Na nossa sociedade, são tão mal tratados os velhos, que é inexplicável que não sejam punks, velhos anarcas a bater com os cajados nos tejadilhos dos carros que lhes barram o caminho, a exigir regalias que ninguém lhes possa dar.

O mal dos velhos é o mal de toda a malta: não se organizam. Sendo punks anarcas, cada um puxa para si próprio: os outros que se organizem, mas deixem-me em paz!

A terceira idade é a idade das urtigas. É o tempo de mandar tudo e toda a gente para as urtigas. Já se sabe que não irão mas tivemos, pelo menos, a satisfação de os mandar para lá. Esta semana libertei uma velha Lacoste cheia de buracos. Em vez de ir para o lixo, ficou como bata de pintor.

Sabe muito bem não me preocupar com as manchas de tinta. A verdade é que vai ficando cada vez mais gira, parecendo um Jackson Pollock. Mas um Jackson Pollock feito por Cecilia Jimenez, a punk de 82 anos que restaurou-destruiu aquele fresco de Jesus.

O pior é quando me esqueço que a tenho vestida: é tão confortável, como toda a roupa muito velha (velhos são os trapos e ainda bem), que saio para a rua como se estivesse apresentável.

Quanto mais digo aos vizinhos que “estou a pintar!”, mais eles acham que eu pirei. Já reconheço à distância todas as sílabas galegas da frase “coitadinho, já não sabe o que faz”.

Também devo marimbar-me para o que pensam os outros? Ou terei de fingir que me envergonho do meu pólo de pintura?»

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