20.9.23

E o sorriso de Costa disse tudo

 


«Para alem dos casos políticos, habituais em fim de longos mandatos, o governo, ou o País, para ser mais preciso, lida com dois tipos de problemas: os que resultam de uma conjuntura que não controla e os que são estruturais e ao qual não prestou atenção nestes oito anos (a direita também não, quando governou). Os primeiros são a inflação, o aumento das taxas de juro e tudo o que resulta da guerra da Ucrânia. Os segundos são a incapacidade do SNS segurar os seus profissionais, a falta de professores e a brutal crise na habitação, com efeitos estruturais na sociedade e na economia portuguesas. Todos há muito anunciados.

O problema do governo é que quer dar aos segundos o mesmo tipo de respostas que tenta dar aos primeiros: soluções de emergência. E essa é a marca deste primeiro-ministro, que depois da urgência em devolver direitos e rendimentos roubados às pessoas pela troika, no governo da “geringonça”, e da resposta à emergência pandémica que se lhe seguiu, já não sabe governar de outra forma. É um governo com quase uma década que deixa pouco lastro e olha pouco para a frente.

Isto exige uma oposição que não repita contra o governo os vícios do próprio governo: surfar a atualidade. Mas repete-o porque não tem qualquer perspetiva de ocupar o poder. Até por não ter uma maioria provável para o fazer. O Chega pode ser um problema para a democracia, mas é, antes de tudo, um problema para a direita. A grande maioria dos seus eleitores não quer um governo dependente de André Ventura, o líder com mais altas taxas de rejeição no país. E todos os cuidados que o PSD possa ter – e esteve bem ao não embarcar nesta moção de censura – não resolvem o problema da aritmética: não há direita que chegue sem o Chega.

Uma coisa é a competição entre os partidos de oposição. Outra é a sabotagem da oposição, a que o Chega se dedica. Não é apenas por ser um embaraço que é um problema para o resto da direita. É por ter o resto da direita como sua principal inimiga. Quer desgastá-la para crescer sobre as suas ruínas. Como aconteceu em vários países europeus.

Não é absurdo apresentar uma moção de censura que não tenha possibilidade de aprovação. Já foi feito por vários partidos para forçar o debate político num momento difícil para o governo. Mas faz-se isso em momentos especialmente sensíveis. Não é a tática do Chega porque o seu alvo não é o governo. Limita-se a picar o ponto no início da sessão legislativa, prejudicando até o regresso dos debates quinzenais (que, de qualquer das formas, tendem a ser favoráveis ao primeiro-ministro), quando nenhum acontecimento agudo torna este momento especialmente dificil para o governo. E se houvesse dúvidas disso, bastaria ver o passeio que António Costa foi fazer ao parlamento. Nem se esforçou.

Se tivesse que escolher os dois momentos no debate de ontem, viriam da primeira ronda de perguntas, nas intervenções do Chega e da IL. O primeiro foi quando André Ventura se virou para a bancada do PSD e foi a ela que dirigiu quase toda a sua intervenção, acusando-a, qual amante ciumento, de querer ir para a cama com o PS em vez de pernoitar com ele. E gritando que não há “pactos” com este governo, há “coças”. O fim da intervenção, falando para os eleitores madeirenses, teve a clareza de um tempo de antena e a exibição da única função desta moção de censura: desgastar o PSD.

O segundo momento foi mais “hilário”, utilizando uma expressão de João Cotrim Figueiredo. A moção de censura é “infantil”, disse o ex-líder da IL (ainda poucos deram pelo atual). E como é “infantil”, os liberais decidiram ir brincar para o parque com Ventura, envolvendo-se numa rixa para saber quem subia ao baloiço. Depois, Cotrim Figueiredo embrulhou-se com Ventura para saber qual dos seus candidatos madeirenses estava a namorar o PS local, num momento que resumiu uma tarde perdida. O sorriso do primeiro-ministro, refastelado em oito anos de mandato, disse tudo. Com inimigos destes, não precisa de amigos.»

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