4.4.17

O país do futebol



«Em 1952, pouco antes de morrer, Teixeira de Pascoaes, que passou décadas a tentar descortinar a redenção de Portugal, disse: "Creio bem que o chamado futurismo, o ateísmo, o tiro aos pombos, a reforma ortográfica, o futebol, etc., todas as forças dissolventes da nossa Alma, são de carácter transitório." Mais de meio século depois a nossa alma continua demasiado anémica para se redimir, e tudo continua a ser transitório excepto, claro, o futebol. Este transformou-se na política oficial do país. É ele que move multidões. Basta olhar para o que se passou nos últimos dias, do baptismo do aeroporto do Funchal à joelhada no nariz de um árbitro, para se entender a hegemonia cultural do futebol em Portugal. Como se ele fosse aquilo que nos redime de todos os falhanços. Uma coisa é a paixão pelo futebol, que quase todos comungamos. Outra é a obsessão doentia por um desporto onde se ganha, mas também se perde. O certo é que o futebol se tornou um território de guerra civil como nenhum outro: as paixões têm-se transformado em radicalismo pouco sensato. Não se conversa sobre futebol. Grita-se. E aí todos perdem a razão.

Antes da época vitoriana, quando se definiram as leis do futebol, este era um desporto bárbaro. Chutava-se tudo, até a bola. Morriam jogadores quando tentavam marcar golos e eram selvaticamente agredidos pelos adversários. Por isso surgiram as regras e os árbitros. Olhando para o que se está a passar em Portugal fica-se com a sensação de que há nostálgicos desse tempo. O que choca frontalmente contra o ideal de o futebol ser uma indústria atractiva: para investidores, para as televisões e para as famílias. Mas quando se olha para o ambiente de pretenso debate sobre futebol, substituído nas televisões pela gritaria de adeptos radicais e nos púlpitos por dirigentes que fazem dos árbitros os culpados dos seus próprios erros de gestão e da sorte e do azar do jogo, sabia-se que este ambiente apocalíptico chegaria. Se querem fazer do futebol uma indústria, é tempo de decretar um intervalo. Para todos pensarem.»

Fernando Sobral
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