8.4.17

Copos e mulheres




José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Em si, as hoje celebérrimas declarações de Dijsselbloem têm escassa importância. O homem disse aquilo que muitos pensam em parte da Europa sobre a outra parte da Europa, e eu serei a última pessoa a fazer uma cruzada contra o holandês. Aliás, este tipo de generalizações geográficas entre as partes em que se trabalha e aquelas onde se preguiça são típicas de qualquer zona da Europa em que, num país existe uma região industrial e um rural, como acontece na Espanha, na Itália, na antiga Checoslováquia, e no nosso muito pouco alemão Portugal, onde, como se sabe, os alentejanos gostam de viver à sombra de um chaparro sem fazer nada, ou Lisboa a viver à custa do Porto. (…)

Do ponto de vista da gravidade das suas declarações, a história dos copos e das mulheres com que no Sul se esbanja o dinheiro à custa dos trabalhadores do Norte, é menos relevante do que as acções que o Eurogrupo sob sua direcção patrocinou via troika, com bastante aplauso interno. Aí a lição de moral, do trabalhador porfiado do Norte versus o dissipador no Sul, já tem um claro conteúdo político, que me faz terçar em armas contra o holandês, nos mesmos termos em que o fiz contra os seus émulos portugueses. (…)

E senhor Dijsselbloem, quem vive muito para o Norte da Europa, onde faz frio, e onde durante grande parte do ano, já é noite ao meio da tarde, não escapa aos álcoois brancos, da aquavit ao vodca. Aliás, a melhor literatura moderna sobre “copos” que há na Europa não é sulista, nem vem de terras mediterrânicas, mas foi escrita na Rússia, onde se bebe até ao estado de estupor e onde estar bêbedo, como estava muitas vezes Ieltsin, não era socialmente mal visto. Ou foi escrita no Reino Unido, onde os políticos, intelectuais e escritores tem uma relação muito própria, às vezes snobmente criativa, com o copo de whiskey à sua frente e as senhoras, a começar pelas várias rainhas, tem um especial amor por aquilo que, na minha terra, era servido nas confeitarias como “chá branco” e que, em Albion, era o bom e velho gin. A caminho do Sul, passando por França, temos o absinto, de vasta memória impressionista e das margens do Mosela até Bordéus, uma vasta antologia de venenos vinícolas, faz a alegria dos povos que bebem “copos”. Está pois o senhor Dijsselbloem muito equivocado. Comparado com as pesadas bebidas nórdicas, o vinho é bem mais pacífico e seria preciso muito dinheiro do Eurogrupo, em forma de vários resgates, para que os “copos” caracterizassem o Sul em vez do Norte.

Isto quanto ao vinho, porque quanto às mulheres, estamos conversados. Aí o ecumenismo europeu é total, e presumo que uma parte significativa dos homens gosta de mulheres desde a Lapónia a Malta, e gasta com elas muito dinheiro e muitos copos para terror do nosso holandês. O melhor exemplo desse desvario feminino vem de um alemão, Fausto, que não se limitou a gastar o dinheiro mas vendeu a alma pela bela Gretchen, coisa que no Sul não é muito habitual.» 
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