30.6.24

“Padrinho” Cavaco dá a táctica: eleições ou bloco central

 


«Já não é segredo para ninguém que Cavaco Silva é o verdadeiro mentor de Luís Montenegro. É normal que o novo líder se aconselhe com o mais bem-sucedido dos dirigentes do seu partido nos últimos 40 anos. Pedro Passos Coelho ficou triste porque, ao fim de contas, foi ele que “criou” Montenegro. Mas é a vida: estrategicamente, a colagem a Passos era penalizadora junto do eleitorado pensionista. E apesar de tanto Cavaco como Passos serem os dois dirigentes de direita mais odiados pela esquerda, Cavaco esteve 20 anos no poder e deu o 13.º mês aos reformados. Passos cortou e aplicou o programa “ir além da troika” – que Luís Montenegro defendia no Parlamento enquanto chefe da bancada –, mas cuja herança agora não lhe dá jeito nenhum.

Tendo em conta esta dinâmica da relação entre Cavaco e Montenegro, é normal que se tente compreender até que ponto é que Luís Montenegro é influenciado pelos textos de Cavaco Silva e se o novo “melhor amigo” está a ajudar ou a desajudar o primeiro-ministro.

Às vezes, é possível defender duas coisas ao mesmo tempo. É raro: mas uma tentativa de ajuda pode transformar-se em desajuda e uma “desajuda” acaba surpreendentemente por resultar em benefícios para o “desajudado”.

O que disse Cavaco, no texto do Expresso, sumariamente? Que o país não se salva sem uma maioria absoluta (obtida eventualmente através de eleições antecipadas) ou com uma aliança PSD-PS, vulgo bloco central.

A segunda hipótese é uma impossibilidade total. A vacina 1983-1985 – quando o PS, que pedia uma maioria absoluta, acabou com 20% nas legislativas – transformou uma qualquer aliança PS/PSD numa espécie de “solução abominável”. Depois da cena da demissão “irrevogável” de Paulo Portas, Passos Coelho (sob a influência de Cavaco Silva) convidou o PS, então liderado por António José Seguro, para uma aliança. Foi impossível.

Independentemente de pactos esporádicos (como este pacto sobre a justiça que vem aí), em nenhuma situação o PS algum dia vai partilhar um governo com o PSD. Nem com um secretário-geral como Pedro Nuno Santos, nem sem um secretário-geral como Pedro Nuno Santos: é uma hipótese enterrada. Foi a partir da denúncia do bloco central que Cavaco construiu o seu sucesso: o PS nunca perdoará. A sua sobrevivência pode estar mesmo em causa.

Excluída a sugestão da aliança PSD/PS, restam as eleições antecipadas com maioria absoluta. É provável que Cavaco Silva esteja a preparar os portugueses para umas eleições antecipadas em 2026, na mesma linha com que Luís Montenegro esporadicamente o faz. O Governo, no fundo, não quer eleições a curto prazo porque, tal como o PS, sabe que o resultado das europeias mostrou que nenhum dos partidos centrais tem grande supremacia sobre o outro.

O Chega também não pode desejar eleições, sob o risco de perder metade da bancada, coisa que os seus 50 deputados têm bastantes razões para temer: Ventura vai revolver as entranhas e aprovar o Orçamento Montenegro dizendo que não é de Montenegro, mas do Chega, ou coisa que o valha.

O PS vai passar uns tempos a bater com a cabeça nas paredes para escolher a solução que não o cole ao Governo, mas também não permita abrir a porta a eleições antecipadas, que os seus autarcas e muita gente mais querem evitar a todo o custo. Nenhuma das decisões é fácil.

Um voto contra do PS será fácil se convencer o Chega a votar a favor do Orçamento. Mas se isso não acontecer e Ventura desatar aos tiros, recusando viabilizar o Orçamento, mesmo correndo o risco de perder metade da bancada?

Se Ventura entrar em autofagia, as eleições podem ser nefastas para os socialistas, com uma parte do eleitorado do Chega a reforçar a AD, ainda que sem a maioria absoluta pretendida por Cavaco Silva. Mas para Montenegro a saída do empate técnico daria maior legitimidade. Vai o PS contribuir para isso?

Cavaco Silva está a dar a “táctica” para 2026. E, tal como o Governo, a mostrar que a AD não tem medo de eleições. A outra conclusão do texto de Cavaco é que Montenegro será um primeiro-ministro inútil (não fará uma grande mudança no país) enquanto não tiver uma maioria absoluta ou um bloco central. A conclusão é uma evidente desajuda ao Governo que está em funções.»


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