22.3.23

A Rússia cai na órbita da China

 


«Todos têm os olhos postos na Ucrânia, mas não é este o tema real da cimeira entre Vladimir Putin e Xi Jinping. Pequim e Moscovo, por esta ordem, procuram dar corpo ao que chamamos uma “nova ordem mundial”. É uma demonstração diplomática antiamericana. Mas também a prova de que a asfixia económica coloca a Rússia na órbita da China.

Os dois líderes definem a relação entre os seus países como uma “amizade sem limites”. Mas Pequim tem o cuidado de frisar que isso não significa uma “aliança”. Será mais exacto falar em “parceria estratégica”.

Washington lançou o aviso de que Pequim pode vir a fornecer armas à Rússia. Tudo indica que não o fará, pelo menos de forma directa, mantendo aquilo a que os diplomatas chamam, com ironia, “uma neutralidade pró-russa”. É esse, aliás, o sentido do seu plano de “12 pontos” para a Ucrânia.

Para Pequim, Moscovo é um instrumento de primeiro plano para a dita remodelação da ordem mundial: é uma grande potência nuclear que ajuda a equilibrar o peso dos EUA.

A China deseja tudo menos uma derrota russa, que alteraria as relações de força a favor do campo ocidental. Mas sabe que uma intervenção directa na guerra lhe traria grandes problemas, produzindo uma escalada e dando ao conflito ucraniano uma dimensão mundial. Do ponto de vista económico, a China teria muito mais a perder do que a Rússia com a generalização da instabilidade e, numa fase de grande tensão com Washington, não quer alienar por completo as relações com os europeus. O seu problema é encontrar um equilíbrio entre o fortalecimento das relações com Moscovo e os laços com os aliados da América.

Num artigo publicado num jornal de Moscovo, Xi lança uma mensagem à comunidade internacional, dirigido às médias potências do chamado "Sul global". “A comunidade internacional reconheceu que nenhum país é superior aos outros, que nenhum modelo de governação é universal e que um único país não deve ditar a ordem internacional.” Outro objectivo de Xi é oferecer um “conceito de modernização chinês”, contra a ideia de que “modernização significa ocidentalização”.

Depois do sucesso diplomático do acordo entre Riad e Teerão, Xi tem em mente países influentes como a África do Sul ou o Brasil – o Presidente Lula assinará em Pequim, neste fim-de-semana, importantes acordos comerciais.

A dependência russa

A invasão da Ucrânia desequilibrou a favor da China a relação entre os dois Estados. No plano político, Pequim reforçou a sua influência, enquanto a Rússia foi largamente ostracizada. As relações económicas conheceram um rápido surto, que foi para Moscovo um importante balão de oxigénio, minorando os efeitos das sanções internacionais, e também um maná para a economia chinesa.

No ano de 2022, a China representou quase 30% das exportações russas e 40% das importações. Com a guerra, o apetite da China pelo petróleo, gás e carvão russos cresceu desmesuradamente, sublinham os correspondentes em Pequim. E, nos primeiros dois meses deste ano, a Rússia ultrapassou a Arábia Saudita como fornecedora de petróleo à China.

Está em estudo o projecto de um segundo gasoduto, Força da Sibéria 2, de 2600km, para levar gás russo para a China. É inútil dizer que os preços são francamente favoráveis a Pequim. “Moscovo está a aprofundar uma relação assimétrica que limitará a sua soberania económica”, escreve Pierre Briançon, analista da Reuters Breakingviews. No ano de 2022, a economia sofreu uma quebra de dois por cento, desafiando as mais pessimistas previsões. “As dificuldades financeiras estão a arrastar a Rússia ainda mais para a esfera de Xi Jinping,” conclui o analista.

Não é só a soberania económica que está em causa. Escreveu há dias na Economist Alexander Gabuev, director do Carnegie Eurasia Center, de Berlim: “Na medida em que a dependência da Rússia reduz a influência do Kremlin, a China poderá pedir à Rússia maiores concessões políticas. Poderá pedir a partilha de tecnologias militares sensíveis, a aceitação da sua presença naval no Árctico russo, assim como a instalação de Exército Popular de Libertação na Ásia Central.” É a força das coisas.»





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