«Aconteceu mais uma iniciativa da Administração Trump que julgávamos impensável: o ataque à liberdade, ao pluralismo e à produção de conhecimento científico nas universidades. Todas as ditaduras, sem exceção, passam por aí. Recordemos a Revolução Cultural chinesa, o nazismo na Alemanha, Portugal no tempo da ditadura ou, mais recentemente, a Hungria e a Turquia. Sempre o mesmo padrão e o mesmo resultado: despedimento de cientistas e professores, encerramento de departamentos, desmantelamento de projetos de investigação. Não imaginámos nunca que o mesmo acontecesse nos EUA, onde a ciência beneficiou da liberdade académica e do acolhimento de milhares de investigadores fugidos de países com regimes autoritários.
Obama veio a público condenar as ingerências da Administração Trump na vida das universidades, sublinhando que “Harvard deu o exemplo a outras instituições de ensino superior”. Harvard soube rejeitar as restrições à liberdade académica e garantir que todos os seus estudantes continuassem a beneficiar de um ambiente de reflexão intelectual plural.
Porém, as notícias relatam também as dificuldades de outras universidades e a forma como estão a capitular (“Economist”, 12 de abril). Não surpreende, porque a história mostra-nos que as universidades, mesmo quando tentam, não conseguem resistir por muito tempo a regimes ditatoriais, tendo de se adaptar para sobreviver. Mas a história mostra também que, sem liberdade académica, em regra, as universidades sobrevivem sem pujança e com degradação da sua atividade. Sobretudo quando conheceram ambientes de maior autonomia e pluralidade. A crise da universidade em Portugal na fase final do Estado Novo, depois de expulsões sucessivas de cientistas e de estudantes, é um exemplo que não devemos esquecer.
As universidades e os sistemas científicos necessitam, para se desenvolverem, de autonomia e de investimento. Em nenhum país do Mundo a ciência se desenvolveu sem fortes investimentos públicos. É o caráter público do financiamento que permite o seu florescimento e, simultaneamente, garante a sua autonomia. Porém, essa é também a sua grande fragilidade. Quando o Estado usa o seu poder de financiamento para coartar a liberdade, para interferir e determinar ideologicamente o que deve ser ensinado, quem deve ser professor, quem pode ser estudante, é quase impossível evitar a capitulação.
Por saber tudo isto, fica a pairar uma pergunta com sabor amargo: até quando e como vai Harvard ser um exemplo de resistência? As forças do mal são mesmo muito poderosas.»
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