13.4.25

Inaceitável! A liberdade académica não responde a interrogatórios ideológicos

 


«Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo, esperando que seja o último a ser comido.
Winston Churchill

Há momentos em que o silêncio institucional é cumplicidade. E este é um desses momentos. A revelação de que a Embaixada dos Estados Unidos, em Lisboa, enviou às universidades portuguesas um questionário ideológico — exigindo respostas sobre “agendas climáticas”, “relações com partidos comunistas e socialistas”, ou “estratégias para preservar mulheres das ideologias de género” — representa uma violação frontal da liberdade de pensamento, da autonomia universitária e da soberania científica do Estado português.

Este não é um episódio menor. É uma tentativa clara e deliberada de condicionar a atividade académica com base em critérios políticos e ideológicos impostos por uma potência estrangeira. A reação do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, expressa pelo seu presidente, Paulo Jorge Ferreira, é inequívoca: as perguntas enviadas foram “intoleráveis”. Mas isso não basta.

É imperativo que o Governo português, as universidades e a sociedade civil se pronunciem com firmeza: Portugal não tolera inquisições ideológicas.

Mais inquietante ainda é o contexto em que tudo isto ocorre. Portugal investe, anualmente, milhões de euros em parcerias com instituições norte-americanas como o MIT, Carnegie Mellon e a Universidade do Texas em Austin. Essas colaborações — com aspetos positivos — tornam-se perigosas se não forem acompanhadas por mecanismos robustos de proteção da liberdade científica e de escrutínio político.

Colocam-se agora questões que não podem mais ser adiadas: as instituições envolvidas nestas parcerias também receberam este tipo de questionário? E, se ainda não o receberam, estarão imunes a este tipo de pressão? E, caso o venham a receber, como reagirão as instituições portuguesas e o próprio Governo: manterão a dignidade, ou cederão a condicionalismos inaceitáveis?

O que está em causa não é apenas a autonomia da universidade X ou Y. É o modelo de sociedade que queremos defender. O questionário enviado às universidades portuguesas não é um gesto isolado. Inscreve-se numa lógica crescente de exportação ideológica e de pressão sobre instituições académicas, que visa normalizar a intolerância e o controlo do pensamento sob o pretexto da segurança ou da “neutralidade de valores”. Esta ofensiva — herança de uma Administração Trump que procura minar ativamente os consensos científicos e os valores democráticos — continuará a ter ramificações concretas, mesmo após a sua saída formal do poder.

Não nos enganemos: este tipo de práticas, se não forem travadas, corroem as democracias por dentro. Começam nos questionários e terminam em censura e autocensura, na exclusão de temas incómodos e no silenciamento de vozes críticas. E quando isto acontece dentro das universidades, que são — ou deviam ser — os últimos redutos de liberdade de pensamento, é o próprio regime democrático que entra em falência lenta.

É por isso que a recente recomendação do Conselho da União Europeia sobre segurança da investigação (2024) não pode ser ignorada. Os Estados-membros são chamados a proteger os seus sistemas científicos contra interferências externas e riscos híbridos. Portugal tem aqui uma obrigação moral e política de agir — não apenas em defesa dos seus investigadores, mas em defesa da própria democracia europeia.

A ciência não se submete a inquéritos ideológicos. A liberdade académica não responde a embaixadas. E a soberania de um país não se negoceia em troca de favores culturais ou bolsas de investigação. O que está em causa não é uma mera troca diplomática. É a linha que separa uma sociedade livre de um Estado sabujo.

Não basta indignar-nos. É preciso traçar limites. Claros. Públicos. E inegociáveis.»


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