24.4.24

Para a AD, experiência é cadastro?

 


«Conheço Sebastião Bugalho há uns dez anos (o que quer dizer que o conheço quase desde que saiu da adolescência). Como se costuma dizer, tenho muita estima pessoal e respeito intelectual por ele. Na realidade, arriscaria a falar de amizade, não usasse o termo com parcimónia. Tive muitas discussões com pessoas de esquerda em sua defesa. Acho-o inteligente, com cultura política e rápido. Mas o facto de comentadores e jornalistas andarem pelo mesmo ramo não deve levar a um tratamento diferenciado, ou seremos mais uma corporação que se protege e assim vai tomando o poder. Escreverei sobre Sebastião Bugalho o que ele escreveria, se decidisse fazer uma análise politicamente desapaixonada.

Se olharmos para os cinco partidos menos recentes, tiveram, como cabeças de lista ao Parlamento Europeu, Mário Soares, Pacheco Pereira, Lucas Pires, Carlos Carvalhas ou Miguel Portas. O PSD teve, para além de Pacheco Pereira, António Capucho, depois de ter sido ministro dos Assuntos Parlamentares de Cavaco Silva; Eurico de Melo, depois de ter sido ministro da Administração Interna e da Defesa; João de Deus Pinheiro, depois de ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros e comissário europeu; e Paulo Rangel, com vasto pensamento sobre política europeia (que, apesar das suas inúmeras intervenções, não conheço em Bugalho), sendo uma reserva para a liderança do partido. Gosto mais do uns do que outros, mas é óbvio que o estatuto tem contado. E isso não está errado.

O cargo político mais relevante que Sebastião Bugalho ocupou foi o 6º lugar na lista do CDS para Lisboa (não eleito), em 2019. Seria um cabeça de lista possível (e ainda assim arriscado) para o CDS ou para a IL – esta foi uma excelente semana para Cotrim de Figueiredo, que passou a ser o candidato politicamente mais sólido e qualificado à direita. É impensável para liderar o partido que acabou de vencer as eleições e governa o país. O Sebastião vai-me perdoar, mas não tem o estatuto, que vem da experiência política e cívica e dos testes políticos pelos quais se passa, para liderar uma lista nacional do maior partido português.

Quando olhamos para Catarina Martins, Cotrim de Figueiredo ou João Oliveira, cabeças de lista de partidos muito mais pequenos do que o PSD, percebemos o absurdo do truque mediático, que causa entusiasmo na semana do anúncio. Que alguém tenha achado boa ideia convidar o presidente da Câmara Municipal da segunda principal cidade do país (que até acho que seria um mau candidato) para ser o seu número dois de Bugalho diz bem de como as coisas estão de pernas para o ar. E se toda a gente percebe isso, fica a dúvida: o que é ofensivo para Rui Moreira é bom para os eleitores?

Sei que o populismo faz do currículo político cadastro. Não se espera que o PSD, que tem como vantagem em relação aos seus concorrentes à direita a experiência dos seus quatros (pense-se em alguém como Poiares Maduro, por exemplo), siga esse caminho. E mesmo a experiência fora da política não está lá. O Sebastião Bugalho tem qualidade na análise do jogo político e tem cultura política. Não tem experiência que o qualifique para o lugar. Guardarei para outro texto a transformação dos comentadores numa casta política selecionada pelas televisões. Mas a sociedade civil onde querem ir buscar novos rostos não é o objeto que temos na sala e que se desliga com um comando. O mundo fora das sedes partidárias não se resume, ao contrário do que parecem pensar quem só conhece os partidos, aos estúdios da televisão.

A questão também não é a idade. Oiço falar de Paulo Portas. Ele tinha quase a idade de Sebastião Bugalho quando fundou o jornal que fez abalar o cavaquismo, mudado, para o bem e para o mal, o jornalismo português. Antes de ter direito a um lugar de destaque na política (com 33 anos, ao lado de Monteiro, e 35, como líder do CDS) teve de dar muitas provas fora dela. Sebastião Bugalho ainda só fez comentário. Como disse João Cotrim de Figueiredo, o argumento de Montenegro para esta escolha parece resumir-se à visibilidade no núcleo que se espera que vote nestas eleições.

Também vi comparações com Marta Temido. Não estou certo que tenha sido a escolha ideal para quem quer virar a página, passando os próximos dois meses a discutir o legado no SNS. Mas a cabeça de lista do PS foi ministra da Saúde durante a maior pandemia num século. Cada um fará a sua avaliação, boa ou má (era a ministra mais popular na altura?), mas não me ocorre maior teste a um político. Temido pode ser avaliada como política, Sebastião apenas pelas coisas que disse na televisão. Mesmo o número dois da lista, Francisco Assis, deu muito mais provas, como autarca, eurodeputado e presidente do Conselho Económico e Social, tendo um vasto pensamento sobre a Europa, que desconhecemos em Bugalho.

O problema dos comentadores é a sua vantagem: apareceram muito, mas também falaram muito. Em outubro, Bugalho previu a dificuldade da AD arranjar “cabeças de lista mais prestigiados e mais prestigiantes – ex-governantes, nomes que consigam disputar a eleição”. Entretanto, houve legislativas e Montenegro venceu. Paulo Portas já não é a única possibilidade para evitar uma “derrota flagrante ou honrada”. Mas, sem desprimor para o Sebastião, a dificuldade em arranjar um cabeça de lista prestigiado e prestigiante não se resolveu. Porquê?»

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