21.4.24

Vergonha na face ao ano passado

 

João Fazenda


«Quando o primeiro-ministro disse que o Governo ia introduzir uma medida que proporcionaria “uma diminuição global de cerca de €1500 milhões nos impostos do trabalho dos portugueses face ao ano passado”, não mentiu. Somando a redução de €1327 milhões que já estava em vigor à descida de €173 milhões decidida agora, o resultado é, de facto, uma diminuição de €1500 milhões face ao ano passado. Este modo de anunciar medidas permite antecipar outros projectos de Luís Montenegro. Por exemplo, é óbvio que, com este Governo da AD, teremos duas novas pontes sobre o Tejo face a 1960. E Lisboa poderá contar com um novo e imponente mosteiro em gótico manuelino face a 1500. Tudo isto é excelente — menos face às expectativas. Depois de ter passado a campanha eleitoral a prometer um vigoroso choque fiscal, Montenegro revela que, afinal, o choque consiste apenas em €173 milhões além do que já estava decidido pelo Governo anterior. É, no máximo, um daqueles choques de electricidade estática. Não é propriamente transformador, limita-se a causar irritação.

Montenegro disse que não ia governar para as aberturas dos telejornais, o que constitui um primeiro falhanço do novo Executivo, uma vez que esta medida abriu todos os telejornais duas vezes: primeiro para ser anunciada, depois para ser desmentida. De qualquer modo, o espírito da declaração de Montenegro está correcto: o Governo não vai adoptar políticas que têm o objectivo de agradar ao eleitorado, vai fingir que está a adoptar medidas que têm o objectivo de agradar ao eleitorado. É bastante mais barato. As medidas populistas efectivas podem ser perigosas, mas as medidas populistas a fingir têm a grande vantagem de não desequilibrar o orçamento.

A reacção à medida de diminuir impostos que, basicamente, já estavam diminuídos deve ter surpreendido Montenegro. Desde que é primeiro-ministro, tomou duas grandes decisões: a substituição de um logótipo e a manutenção de uma descida de impostos. Quando disse que ia reverter uma obra do Governo anterior, ouviu críticas; quando disse que ia manter uma obra do Governo anterior, ouviu críticas. Assim é difícil, coitado.

Pessoalmente, devo confessar que o episódio me deixou satisfeito. É verdade que, ao fingir que a descida de impostos era toda da sua responsabilidade, Montenegro se apropriou indevidamente de €1327 milhões. Mas temos de admitir que, no que toca a apropriações indevidas de dinheiro por um titular de cargo público em Portugal, esta é das mais aceitáveis a que já assistimos.»

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