14.9.19

PAN: um cheque em branco ou sem cobertura



«As sondagens estão a dar a possibilidade de o PS ficar próximo da maioria absoluta. E de o PAN chegar para que essa maioria se faça. Se isso acontecer, não é preciso ser bruxo para adivinhar o fim da geringonça. E não será uma PANgonça. Basta ler o programa para perceber porquê. Apesar de mais de mil medidas desconexas, o PAN não tem um programa. No sentido em que não corre por ali um pensamento estruturado. Isso não tem qualquer problema com partidos que querem chegar ao Parlamento. Espera-se que a Iniciativa Liberal ou o Livre apresentem duas ou três causas – e fazem mais do que isso. Esperava-se que fosse isto que o PAN tinha para apresentar há quatro anos. Não quando a governação pode depender deles.

Por escolha dos jornalistas, o PAN conseguiu passar por quase todos os debates falando apenas do que queria. Estando nós a falar de um partido que pode, se o PS ficar à beira da maioria absoluta, determinar a governação, esta opção editorial é incompreensível. Sobre o que o PAN quer falar já nós sabemos quase tudo, seja a agenda a animal, seja a sua relativamente recente agenda ambiental.

E mesmo a agenda ambiental tem muito que se lhe diga. Basta ver a defesa que o PAN faz da generalização dos veículos ligeiros ou de passageiros elétricos ou não poluentes. Sabe-se que ela depende ou da utilização de hidrogénio ou de baterias elétricas que, neste momento, requerem lítio. O PAN não defende a exploração de lítio em Portugal. Como o hidrogénio é, neste momento, produzido sobretudo utilizando gás natural e o PAN é contra a expansão de gasodutos em Sines e contra a exploração de hidrocarbonetos, incluindo gás, em Portugal, fica-se na dúvida: todos estes carros não poluentes vão andar como? A pedais?

Mas nem sequer é por aqui que esperava que a coisa fosse. Uma campanha e os debates servem para esclarecer o que não se sabe. E o que está menos claro é tudo o resto fora da agenda que o PAN quer que passe. E tudo o resto é quase tudo, para dizer a verdade. Coisas de que conhecemos muitíssimo bem, pelos programas, pelo passado e por não se definirem como “pós-ideológicos” nas candidaturas do PS, do PSD, do BE, do PCP e do CDS. E no PAN são um mistério.

O PAN é o partido mais opaco que a política nacional já conheceu. Manteve congressos à porta fechada, usando depois o argumento oportuno e fofinho de sempre: ingenuidade. Não tenho, para explicar esta opacidade, qualquer teoria da conspiração. A coisa é, aliás, bastante clara. E para quem se deu ao trabalho de ler o programa do PAN ou de ouvir dirigentes secundários que foram a debates com menor visibilidade, percebe o receio da transparência. Fora da sua pequena área de conforto, o PAN é de uma impreparação que nem em pequenos partidos se aceita. Isto, mesmo depois de quatro anos no Parlamento. Tentaram fazer um programa. Ninguém pode dizer que não tentaram: 1196 medidas é obra. Mas o resultado é absurdo. As propostas são desconexas, confusas e, muitas delas, apesar de serem sobre assuntos fundamentais são extraordinariamente vagas em contraste com assuntos secundários tratados em grande pormenor.

Perante a exibição das suas posições, tudo se desmorona com enorme facilidade. A proposta que têm para as reformas mais altas é suficientemente vaga para não se perceber se é plafonamento (teto para os valores dos descontos e, consequentemente, para o valor das reformas) ou confisco (os descontos mantêm-se mas não têm qualquer relação com o que será a reforma). Quando foi confrontado com isto, percebeu-se que André Silva nem sequer sabia bem o que queria dizer “plafonamento”. Certo é que, apesar de imensas críticas à banca, propõem, para compensar o confisco (ou será o plafonamento?), benefícios fiscais a produtos financeiros como os PPR. Incoerência que se estende ao seu próprio comportamento: o PAN propõe o voto aos 16 anos mas dentro do próprio partido só se vota aos 18.

Foi quando o programa se começou a revelar – sem que para isso tenham contribuído os moderadores dos debates em que André Silva participou – que a falta de preparação já injustificável para quem está há quatro anos no Parlamento ficou clara. De tal forma que o partido vai alterando o seu programa à medida que as críticas surgem. Foi o caso da instituição da obrigatoriedade dos reclusos condenados por crimes violentos terem uma sessão semanal com os familiares das vítimas e, tirando no caso de homicídio (vá lá!), com as próprias. A justiça restaurativa existe e tem provas dadas. Não se baseia na obrigatoriedade, porque isso é inútil. Quando a coisa apareceu nos jornais e vários técnicos que trabalham na área se indignaram com o disparate, foram corrigir o que estava escrito. O que diz bem sobre a ligeireza com que desenharam propostas, sem ouvir ninguém e sem qualquer conhecimento mínimo dos temas, incluindo os mais sensíveis.

Caso a governação venha a depender o PAN, não é difícil imaginar o que acontecerá. Não entram para o Governo, o PS dá-lhe umas vitórias vistosas na agenda animalista, deixa-o ficar com os louros do pouco que este Governo faça no ambiente e, em troca, ele não chateia em tudo o resto. Para um partido quase monotemático e sem qualquer compromisso ideológico, é excelente. Para o PS ainda melhor: fica com uma maioria absoluta quase de borla. Se o fizer crescer, ela até pode ser duradoura. Livra-se do “empecilho” da esquerda, nas apalavras do deputado socialista Carlos Pereira, escolhido para representar o PS na Comissão Permanente do Parlamento.

Perante esta possibilidade, os jornalistas continuam a falar com o PAN como se não pudesse ser determinante em tudo o que tenha a ver com política social, económica, fiscal, laboral e todas as áreas em que claramente estão totalmente impreparados. Por um lado, têm razão: o PAN já deixou claro que não pretende ter nada a dizer em tudo isto. Nem sequer se recorda de um momento menos bom de António Costa. Mas seria justo que os eleitores soubessem com o que contam.»

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