14.8.22

Fernando Medina e Sérgio Figueiredo acham que os portugueses são parvos

 


«A ideia de que Sérgio Figueiredo convidou Fernando Medina para ser comentador da TVI por ser seu amigo até não me convence. É normal um director de informação de uma estação de televisão querer como comentador o presidente da Câmara de Lisboa e sucessor indigitado de António Costa (a propósito, alguém já convidou o Carlos Moedas?). Os comentários de políticos no activo ou fora dele dão audiências e, se assim não fosse, nenhuma televisão apostaria um tostão no modelo. Será uma idiossincrasia portuguesa? Talvez. Sendo Sérgio Figueiredo amigo ou não, a decisão de convidar Medina para comentar é uma opção normal de um homem com aquelas funções.

O que não é normal nem sério é Fernando Medina contratar o antigo jornalista, ex-director da TVI, ex-director do Diário Económico, cuja carreira foi feita apenas no campo da comunicação, para “consultor estratégico” com uma job description de morrer a rir: “Definição, implementação e acompanhamento de políticas públicas.” Por amor de Deus. O ministro das Finanças está a fazer de todos nós um bando de tontinhos, ao achar que a “definição” das políticas públicas vai ser feita por um antigo jornalista? Que eu saiba, é ao Governo, aos vários ministérios, que cabe essa definição e, de resto, a função pública portuguesa tem várias “comissões”, com especialistas com currículos pesados, para fazer esse trabalho. Há várias universidades com especialidade em políticas públicas. Então a “implementação” e a “monitorização” vai caber a um ex-jornalista? Com um contrato que não pode ser sujeito ao escrutínio público?

Suponho que, se estivéssemos em outro país que não Portugal, cairia o Carmo e a Trindade. Aqui quase nunca cai. Afinal, José Sócrates foi primeiro-ministro entre 2005 e 2011 e também ninguém no PS desconfiou de nada até ao dia da detenção… e mesmo assim... Nem sequer o jornalista Sérgio Figueiredo, que, palavras dele, “gostava” do antigo primeiro-ministro e nos seis anos em que José Sócrates governou manteve com ele uma “relação que se tornou pessoal”, como escreveu depois da detenção de Sócrates, estranhou alguma coisa.

O meu conselho a todos os jovens jornalistas, que para os velhos já não vale a pena: tenham poucos amigos. Mantenham a vossa liberdade e independência intactas. Não se envolvam emocionalmente com as pessoas sobre as quais têm que escrever. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, nas palavras imortais de Manuela Ferreira Leite. A amizade (como o amor) é cega e pelos vistos cegou Sérgio Figueiredo ao ponto de ele nunca ter desconfiado de nada e ter vivido a detenção de Sócrates com “angústia”.

O primeiro-ministro, ao dizer que não se mete no assunto e a lavar as mãos como Pilatos, dá o sinal de que no seu Governo cada um faz o que lhe apetece – qualquer ministro pode dar todos os “jobs” a todos os “boys” que sejam amigos, com os argumentos mais hilariantes, que ele não se importa um avo com o assunto. Se António Costa pensa de maneira diferente do que aqui estou a escrever, eu cá não percebi. Devia, pelo menos, ter sido mais explícito, como o foi no caso do despacho do aeroporto de Pedro Nuno Santos.

Como dizia João Bilhim, o antigo presidente da Cresap (Comissão para o Recrutamento e Selecção da Administração Pública), que tive o gosto de entrevistar esta semana, se Sérgio Figueiredo fosse contratado para assessor de imprensa era normal. Afinal, a vida dele foi “comunicar”. É natural que a imagem de Fernando Medina, que inesperadamente perdeu as eleições para a Câmara de Lisboa para Carlos Moedas em Setembro último, precise de um “boost” e que ache até que o assessor de imprensa que já contratou tem trabalho a mais e precise de outro. Mas não nos faça, a todos os portugueses e mesmo a alguns socialistas, passar por parvos.»

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