3.8.19

Proibições



... múltiplas e sexistas, algures numa igreja da Geórgia.
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Um triste exemplo de pobreza política


«O caso passou quase despercebido no meio da maratona de votações do último plenário desta legislatura. Mas não foi menos indecoroso por isso. Em outubro de 2018, a Rede Europeia Anti-Pobreza apresentou no Parlamento um “Compromisso para uma Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza”, do qual fazia parte a ideia de que “nenhuma política sectorial deverá ser aprovada sem a prévia avaliação sobre os seus impactos na produção, manutenção ou agravamento da pobreza e da exclusão social”. Todos os partidos se manifestaram então sensíveis e abertos a acolher a proposta.

Em janeiro deste ano, foi apresentado um projeto de lei para criar esse mecanismo. O “regime jurídico de avaliação do impacto sobre a pobreza dos atos normativos”, proposto pelo Bloco, tinha sobretudo o mérito de dar centralidade ao tema, num país que tem ainda 1 milhão e 700 mil pessoas em situação de pobreza, obrigando a que se olhasse para o combate à pobreza não apenas como uma questão de “apoio aos pobres” ou de políticas sociais, mas sim como uma questão transversal a todas as escolhas políticas.

Quando a proposta do Bloco foi apresentada, o Presidente da República elogiou-a de imediato, manifestando-se “sensibilizado para ela” e o Governo, pela voz do Ministro Vieira da Silva, declarou que via “como interessante a proposta anunciada pela coordenadora do BE, ainda que seja necessário analisar a sua operacionalização”. A 22 de fevereiro, fez-se o debate e a votação no Parlamento. Nenhum partido votou contra. A proposta foi por isso aprovada e passou-se ao debate na especialidade.

Como é comum nestes casos, quando se aprova uma proposta, é porque se quer que ela dê origem a uma lei, feita com o contributo dos vários deputados na Comissão respetiva. Passou-se o mês de março, abril, maio e nada. Em junho, o presidente da Comissão parlamentar agendou o debate na especialidade, que foi adiado por três vezes, para que os partidos tivessem tempo de apresentar as suas propostas de alteração ao projeto. O prazo esgotou-se e, surpresa, nenhum partido propôs nenhuma alteração, nenhuma sugestão de aperfeiçoamento, nenhuma achega crítica. Nada.

No dia do debate na especialidade, PS, PSD e CDS anunciam que não têm nada a dizer e que dispensam a discussão na especialidade da proposta. Passa-se à votação. Ponto por ponto, juntam-se para chumbar, um a um, todos os artigos do projeto de lei que tinha sido aprovado na generalidade. Chumbaram a avaliação prévia do impacto sobre a pobreza, chumbaram a existência de um relatório bianual sobre o progresso no combate à pobreza, chumbaram a possibilidade de o Parlamento solicitar a entidades externas a avaliação sucessiva de impacto sobre a pobreza de determinadas leis e até a possibilidade de o Parlamento receber anualmente uma delegação de pessoas em situação de pobreza para ouvir, na primeira pessoa, o que se está a passar no país, ideia relativamente à qual o Presidente da Assembleia tinha manifestado simpatia. Tudo chumbado sem debate público, sem propostas alternativas, sem contributos e com a tentativa de que esta mudança de posição passasse entre os pingos da chuva no turbilhão de matérias que foram votadas na última sessão.

O processo foi insólito e lamentável. Mas o que aconteceu nas 24 horas seguintes tornou tudo isto mais surreal se não mesmo relativamente obsceno. No dia seguinte aos deputados do PS terem chumbado a proposta que antes haviam viabilizado, o PS apresentou, no seu programa, a seguinte proposta (página 100): "Consolidar e desenvolver a experiência, já em curso, de avaliação do impacto das leis quanto ao combate à pobreza (poverty proofing), consagrando a obrigatoriedade de avaliação fundamentada das medidas de política e dos orçamentos na ótica dos impactos sobre a pobreza".

Ou seja, o PS, que impediu que esta avaliação existisse por ter votado contra, propõe-se continuar no futuro o que não existe porque o PS se juntou à direita para chumbar.

Dá para acreditar?» (O realce é meu.) 

José Soeiro
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E se fosse em Lisboa?



Expresso Economia, 03.08.2019
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A segunda morte de José Afonso



«Um imbróglio jurídico esconde o paradeiro dos originais do mais simbólico dos cantores de intervenção, que no dia 2 de agosto completaria 90 anos. Os masters podem estar algures nos Estados Unidos, podem estar em lugar incerto de Lisboa, podem ter sido destruídos. Restam cópias. E o desespero pelo desaparecimento de um património cultural incalculável.»

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O que não mata engorda



«Foi vendido em Lisboa um apartamento por 7,2 milhões de euros. 287 metros quadrados, diz a “Visão”. O caso é tão estapafúrdio que não representa nada, mas usemo-lo para, através do absurdo, percebermos como rola o dinheiro no mercado imobiliário. E para concluirmos que as câmaras municipais têm um incentivo para participar alegremente em bolhas especulativas, mesmo que isso provoque hoje o afastamento de cidadãos dos centros das cidades e possa provocar amanhã falências pessoais e entupimentos de balanços bancários.

Há um caudal de lucros e de pagamentos num negócio como o agora noticiado, desde o construtor ao dono do terreno, desde as comissões do agente imobiliário aos juros do banco financiador. E há o Estado e as autarquias. Se o valor noticiado está correto, a Câmara de Lisboa recebe cerca de 430 mil euros de IMT nesta venda e cobrará doravante uns 20 mil euros por ano em IMI. Numa só casa. E em todas? A resposta está no crescimento das receitas de IMI e IMT, que em seis anos quase quadruplicaram nesta cidade. Lisboa, assim como o Porto (a segunda cidade que mais cobra, ainda que a grande distância da capital), está a nadar em dinheiro de IMI e IMT. Em todo o país, foram cobrados 2,6 mil milhões de euros nestes dois impostos no ano passado, mais 50% do que em 2013. Um maná.

Uma das questões importantes é observar o que cada autarquia está a fazer com esse dinheiro, desde redução de dívida a investimentos sociais. Mas o que aqui se pretende realçar é o incentivo, que sempre existiu, para que as câmaras licenciem, deixem construir e sintam o paradoxo de que contribuir para travar o encarecimento dos preços das casas lhes custaria dinheiro, o dinheiro que deixariam de receber em impostos e taxas. Se o IMI e o IMT não fossem receitas autárquicas, esse incentivo não existiria e o Estado central poderia aliás repartir essas receitas por municípios menos favorecidos. Mas as autarquias jamais abdicarão de ter essas receitas como suas: seria o fim do mundo político em cuecas.

Parte destes impostos nem é hoje pago por portugueses, dado o investimento estrangeiro no imobiliário, desde reformados com isenções fiscais a grandes fundos de investimento que hoje são donos das zonas mais centrais de Lisboa. Mas parece pouco discutível que existe uma bolha imobiliária em Portugal, localizada nas grandes cidades, e que ela se esvaziará um dia com mais ou menos estrondo, e basta que a política monetária do BCE volte à normalidade para que o peso dos juros pese nas carteiras dos endividados. Até lá, as autarquias rebolarão em dinheiro e as classes médias rebolarão dos centros para fora.

Quando olhamos para o valor dos impostos e das taxas arrecadado em Portugal, e superamos a discussão inútil do conceito de carga fiscal, percebemos que a máquina se tornou dependente de uma cobrança de impostos que galopa todos os anos para novos recordes. A administração tributária é incentivada à cobrança, mesmo que isso signifique deixar de fazer relatórios de controlo, como o “Negócios” noticiou esta semana. E os contribuintes já estão há tantos anos a pagar tantos impostos que parecem ter aceitado como normal o que devia ser qualificado como abuso. Não, não é normal. Mas é também a prova de que o “milagre português” não é milagre nenhum, é um Estado que cobra muito e investe pouco, que mesmo assim falha na prestação de serviços públicos, que carrega uma dívida por ora suavizada pelos juros baixos. O que não nos mata engorda-os.»

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2.8.19

Teremos sempre Paris



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29.03.1974 – Zeca e os outros



Barata Moura, Vitorino, José Jorge Letria, Manuel Freire, Fausto, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira.
(Alguns ausentes ainda estavam exilados.)

O mítico concerto de Zeca Afonso em Março de 1974.
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Os escravos do clima



«Todos os dias alguém diz que “o pior é a carne”, “o pior é a roupa”, “o pior é andar de avião”, “o pior são os transportes”, “o pior é o desperdício”.

No meio do caos sobre o que fazer com as alterações climáticas, as más notícias acumulam-se. Nos últimos dias vi que 1) até o gelo das zonas mais elevadas da Gronelândia está a derreter; 2) ninguém ligou ao alerta do secretário-geral da ONU, António Guterres, de que é preciso reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 45% até 2030; 3) os países do G20 são responsáveis por 80% das emissões poluentes, mas os países em desenvolvimento, responsáveis por 10%, vão suportar 75% dos custos ambientais da emergência climática; 4) em 2000 anos nunca o aquecimento foi tão global; 5) em Junho o desmatamento na Amazónia duplicou em relação a Maio; e 6) se cada americano comesse menos um hambúrguer por semana isso equivaleria a menos dez milhões de carros por ano nas estradas.

Decidi que não vou perder tempo a perceber o que é “o pior”. Muito menos quem tem razão no debate sobre se as alterações climáticas vão ser graduais ou abruptas.

Ao meu nível — cidadã de um dos 31 países desenvolvidos — basta aplicar a fórmula do arquitecto Mies van der Rohe: “Less is more.” Para quê complicar? Menos carne, menos roupa, menos plásticos, menos transportes, menos desperdício.

Não é preciso sacrifício, nem passar a ser vegan, nem aderir ao movimento No Fly. Talvez seja verdade que “o pior é andar de avião”. Por quilómetro, os aviões emitem 285 gramas de dióxido de carbono por passageiro, mais do dobro dos carros. Mas, na prática, deixar de andar de avião seria deixar de viajar. Nunca mais voltaria a Tóquio (218 horas de carro) ou a Nova Iorque (12 dias de barco).

Como não estou sozinha — somos mil e dois milhões e novecentos mil nos 31 países desenvolvidos do mundo —, fico sempre espantada quando me dizem que tanto faz se comemos um bife todos os dias ou compramos uma garrafa de plástico, porque isso é uma gota irrelevante na imensidão dos problemas do planeta. Como tanto faz? Somos 1002,9 milhões de cidadãos ricos.

São as políticas públicas — as regras, as limitações, a legislação — que vão resolver o problema. O professor Viriato Soromenho-Marques explica isso há anos. E têm de ser políticas convergentes. É inútil à segunda-feira tomar uma decisão para mitigar as alterações climáticas e à terça tomar outra decisão que agrava as alterações climáticas. O professor Miguel Bastos Araújo voltou a falar disso esta semana num Lisbon Talk do Clube de Lisboa sobre geoestratégia e alterações climáticas. Mas a lentidão dos decisores políticos não pode ser bode expiatório para a nossa indiferença. Não basta reciclar, é preciso consumir menos.

O Center for a Livable Future, da Universidade Johns Hopkins, concluiu em 2015 que, a manter-se a tendência de consumo de carne no mundo — sempre a subir — entramos no território do “irreversível” em 2050, mesmo que haja até lá uma redução grande das emissões da energia, indústria e transportes. Só a produção pecuária representa 15% das emissões globais causadas pela actividade humana — mais do que todo o sector dos transportes. Destes 15%, 40% são causados pela fermentação entérica, o particular processo de digestão dos animais ruminantes que os faz libertar metano. Quando chegamos a este tipo de números, há sempre alguém que tem argumentos contrários e diz que o metano é “o problema menor”.

Por isso fico-me pelo simples, que parece incontroverso. Esta segunda-feira, o planeta entrou em crédito climático. A 29 de Julho atingimos o limite do uso sustentável de recursos naturais disponíveis para 2019, ou seja, gastámos todo o “orçamento natural” que tínhamos para o ano inteiro nos primeiros sete meses. Chama-se Dia da Sobrecarga da Terra. No ano passado, foi a 1 de Agosto, em 2017 foi a 3 de Agosto, em 2016 foi a 5 de Agosto. É assim desde 1970, o último ano em que não entrámos em défice climático.

Vale a pena ver os gráficos de barras da Global Footprint Network. Em 1973, chegámos à sobrecarga em Dezembro (duas semanas de défice). Em 1979, passámos para Novembro (dois meses de défice). Em 2004, para Setembro (três meses de défice). Em 2017, para Agosto (cinco meses de défice). E agora já estamos em Julho. Para os adeptos do “tanto faz”, procurem os anos da crise. Não é preciso uma lupa. Vêem-se muito bem. Tínhamos menos dinheiro, consumimos menos, a pegada ecológica foi menor.

Numa versão ainda mais simples, a de Miguel Bastos Araújo: “Em média, cada cidadão americano consome o equivalente a ter 150 escravos climáticos. A energia produzida por 150 pessoas que trabalham de graça equivale ao que cada americano gasta em transportes, a aquecer a casa, a usar a Internet e todas as coisas que fazemos no mundo moderno. Estamos a ficar aristocratas medievais, com muitos escravos climáticos a trabalhar para nós.”»

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Poor british...



Libération, #Willem
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02.08.1929 – Zeca Afonso



Zeca Afonso chegaria hoje aos 90. Todas as homenagens são poucas, mas sublinhe-se que será hoje entregue no ministério da Cultura uma Petição com cerca de 11.400 assinaturas, que tem como objectivo a classificação da sua obra como de interesse nacional, «com vista à sua protecção e reedição, dado que a maioria do trabalho do cantor está indisponível no mercado discográfico».

Em jeito de homenagem, opto por repescar uma bela crónica que Manuel António Pina escreveu sobre ele.


Vampiros e eunucos

Há 24 anos, feitos ontem, morreu José Afonso. Entretanto, vindos "em bandos, com pés de veludo", os vampiros foram progressivamente ocupando todos os lugares de esperança inaugurados em 1974, e hoje (basta olhar em volta) os "mordomos do universo todo/ senhores à força, mandadores sem lei", enchem de novo "as tulhas, bebem vinho novo" e "dançam a ronda no pinhal do rei", tendo, em tempos afrontosamente desiguais, ganho inaceitável literalidade o refrão "eles comem tudo, eles comem tudo/ eles comem tudo e não deixam nada".

Talvez, mais do que legisladores, artistas como José Afonso sejam, convocando Pound, "antenas de raça". Ou talvez apenas olhem com olhos mais transparentes e mais fundos. Ou então talvez a sua voz coincida com a voz colectiva por transportar alguma espécie singular de verdade. Pois, completando Novalis, também o mais verdadeiro é necessariamente mais poético.

O certo é que a "fauna hipernutrida" de "parasitas do sangue alheio" que José Afonso entreviu na sociedade portuguesa de há mais de meio século está aí de novo, nem sequer com diferentes vestes; se é que alguma vez os seus vultos deixaram de estar "pousa[dos] nos prédios, pousa[dos] nas calçadas". E, com ela, o cortejo venal dos "eunucos" que "em vénias malabares à luz do dia/ lambuzam da saliva os maiorais".

Lembrar hoje José Afonso pode ser, mais do que um ritual melancólico, um gesto de fidelidade e inconformismo.

(Jornal de Notícias, 24.02.2011)
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1.8.19

Bolsonaro NÃO


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Então e eu?



... Não sou cabeça de lista do PSD?
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A condizer com a silly season do país




… ele aí está.
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E se a África rejeitasse os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável?



«A pergunta do título recupera uma idêntica, “que tal se fosse a África a rejeitar o desenvolvimento?”, feita por uma académica camaronesa, Axelle Kabou, nos anos noventa. Ao contrário dela, porém, que responsabilizava as elites africanas pelo fracasso do desenvolvimento, a minha pergunta é bem literal: e se os africanos dissessem “não” aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)? É a África que precisa deles ou a burocracia internacional do desenvolvimento e da caridade remunerada que precisa de uma África que precise dos ODS?

Confesso que não me sinto bem falando desta maneira sobre os ODS. É como se estivesse contra a eliminação dos problemas que afligem milhões de pessoas. Quem se opõe aos ODS, como eu, não deve ter coração, nem empatia. É, na verdade, sintomático que a discussão de um assunto tão sério como este precise de ser prefaciado desta maneira. Mostra não só até que ponto o assunto mexe com as nossas convicções éticas como também transforma toda a interpelação crítica numa manifestação de posição ideológica.

Os ODS foram aprovados pela Assembleia Geral da ONU para darem continuidade aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Os últimos, declarados em 2000, tinham como meta cortar pela metade o número de esfomeados, pobres, doentes, etc., até 2015. Como era de esperar, as metas não foram atingidas. Os primeiros propõem-se eliminar esses males até 2030. Não é preciso ser vidente para suspeitar que essas metas também não serão logradas.

Como manifestação de compromisso com o bem-estar de todos, as metas não são uma má ideia. Contudo, como programa de acção deixam muito a desejar. As minhas reticências têm duas fontes de sustentação. Uma é política, a outra conceitual.

A política interroga-se sobre que sentido faz uma agenda política internacional que praticamente impõe o conteúdo local da política. Este problema pode não parecer evidente para países com sistemas políticos mais consolidados como Portugal, por exemplo. Mas para um país como Moçambique, a existência de uma agenda internacional como a formulada pelos ODS pode significar a trivialização da política local.


31.7.19

Dantes era assim





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Entretanto, na fronteira México - EUA



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Ai, a igreja grega… (sim, com minúscula)




«A racist incident against children with multiple disabilities took place in North Greece, when a priest refused to give them the communion. The man claimed that these children “do not understand” and therefore “may spit the communion out.” (…)

P.S. that the priests and the Greek Orthodox Church walk through the Greek streets blindfolded is not a secret. The priest may exposes racist behavior against children with disabilities, however, he has certainly no spiritual concerns to cash his salary as a public servant, a salary paid by the parents of exactly these kids.»
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Niksen, nicles, népia ou a liberdade que há no vazio



«Há dias li na Time um artigo sobre niksen, que, diz a revista norte-americana, é uma nova tendência holandesa que advoga que fazer nada faz bem ao corpo e à mente, diminui o stresse a ansiedade e reforça o sistema imunitário. Eh pá, a sério? Quem diria?

A única novidade é ter virado “nova tendência”, para mais holandesa, e ter ganho um nome que, como o hyggee o lykke dinamarquês, o lagom sueco ou o sisu finlandês, nos é estranho, vem do norte da Europa, dá pequenos livros bonitos e a receita para a felicidade: tempo, paz e sossego.

Os nórdicos têm mau tempo (meteorológico), mas a organização social e laboral que alcançaram permite-lhes uma gestão mais humana e proveitosa do tempo (cronológico).

A sul, onde o dolce far niente é aspiração antiga, o tempo (do dia e da vida) é quase todo dedicado ao trabalho. Queremos ter tempos vazios para fazer nada, nicles, népia, mas não há meio. Talvez depois dos 66 e é com sorte.

Paul Lafargue, genro de Karl Marx, escreveu em 1880 O Direito à Preguiça, em que defendia que as máquinas e a evolução tecnológica resultantes da Revolução Industrial deveriam ser usadas para libertar o homem do trabalho embrutecedor. Nesse pequeno livro, em que glorifica o dolce far niente como tempo de elevação e evolução intelectual e deplora o tempo exagerado dedicado ao trabalho, apresenta como um dos argumentos para a sua tese a maior saúde física e mental e até beleza daqueles que pela sua condição social (nobreza e aristocracia) podiam dedicar-se à ociosidade. Precursor do niksen, já falava das vantagens para a saúde de não fazer nada.

Olhamos para a inteligência artificial como uma ameaça aos postos de trabalho dos humanos, mas se quem manda quisesse (é claro que não quer) poderia apenas libertar-nos mais para fazermos nada. Ou fazermos o que quisermos com o tempo vazio

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30.7.19

Sondagem Legislativas



TVI, divulgada hoje às 20h.

Ler AQUI.
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«A morte do colonialismo»



No dia 30 de Julho de 1974, milhares de pessoas concentraram-se junto ao Palácio de Belém para manifestarem ao Presidente da República a alegria pelo fim da guerra colonial. A manifestação foi convocada pelos três partidos representados no II Governo Provisório: PS, PPD e PCP.

Na véspera, tinha sido assinado, em Argel, o acordo que reconhecia a independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.

Vale a pena ver a composição do II Governo Provisório:

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30.07.2007 – O dia em que Antonioni e Bergman nos deixaram



Há 12 anos, com a morte de Michelangelo Antonioni e de Ingmar Bergman, ficaram dois lugares vazios na lista dos grandes do cinema ainda vivos, mas eles continuam bem no fundo da nossa memória que ajudaram a moldar.

Em jeito de homenagem, aqui ficam pequenos excertos de «L'Eclisse» e «Blow Up» do primeiro e de «O sétimo selo» e «Morangos silvestres» do segundo.








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Etiópia, esse grande, grande país




353 milhões de árvores em apenas 12 horas parece tarefa impossível. Mas não foi.

(A Etiópia tem cerca de 110 milhões de habitantes.)
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A matança



«A Amazónia é a maior floresta tropical do Mundo e dela depende o que resta de equilíbrio ambiental no planeta. Alberga um terço da biodiversidade mundial, para além de povos indígenas milenares que são a principal barreira à devastação da área florestal amazónica. Hoje, mais que nunca, estão ambos em risco. Indígenas e floresta sofrem a mesma ameaça do agronegócio e da exploração mineira do Brasil.

Os alertas sucedem-se. Um editorial do jornal britânico "The Guardian" deste mês pedia uma tomada de ação da Europa, enquanto dava conta da escalada da desflorestação: julho será o primeiro mês em cinco anos em que o Brasil perde uma zona florestal equivalente à área metropolitana de Londres. E muita desta atividade está a acontecer em reserva indígena, à medida que o Governo brasileiro legitima esta devastação. Não é por acaso que o presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, retirou a delimitação destas reservas à Fundação Nacional do Índio para a entregar o Ministério da Agricultura. Não é por acaso que as instituições e ONG de proteção ambiental estão a ser desmanteladas por falta de fundos e as inspeções oficiais reduzidas em 20%. Não é por acaso que o número de produtos agrotóxicos legalizados disparou desde 2015.

E também esta semana a relatora especial da ONU para os povos indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, denunciou a violência das ocupações das terras indígenas por exploradores ilegais de minério, legitimadas e incentivadas pelas posições do Governo de Bolsonaro. Estas declarações foram motivadas pela denúncia, por índios Wajãpi, do assassinato do seu líder, Emyra Wajãpi, na sequência de um ataque à aldeia Mariry.

A Amazónia não é o quintal de Bolsonaro. O que está a acontecer no Brasil é assunto nosso também. A destruição de povos indígenas e de património da Humanidade é assunto nosso também. É de toda a gente.

Termino com as palavras de Tauli-Corpuz: "Espero que países da Europa que fecharam esses acordos comerciais relembrem ao Brasil as suas responsabilidades e compromissos com os direitos dos indígenas, assim como com a proteção da Amazónia. A proteção da Amazónia não é apenas um assunto do Brasil. Mas para todo o Mundo".

Está em curso uma matança. Vamos ficar a assistir?»

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29.7.19

Bons conselhos!



(Daqui)
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29.07.1983 - O dia em que Luis Buñuel morreu



Luis Buñuel morreu há 36 anos. Nascido espanhol, naturalizado mexicano, foi certamente um dos realizadores mais controversos, irreverentes, e mesmo «escandalosos», do século passado.

Com 17 anos rumou a Madrid para frequentar a universidade, entrou em círculos ligados a cineclubes e inseriu-se em grupos onde se tornou amigo de Dalí, García Lorca e mais uns tantos. Em 1925, partiu para Paris, onde via três filmes por dia, iniciou actividade como crítico de cinema e aproximou-se cada vez mais dos surrealistas, que o adoptaram definitivamente depois da exibição do seu primeiro filme – «O Cão Andaluz» (em 1929).



Seguiu-se «A Idade de Ouro» (1930). Cinco dias depois da estreia, grupos de extrema direita atacaram a sala onde o filme era exibido, as autoridades francesas proibiram-no e recolheram as cópias existentes. Depois de meio século de censura, reapareceu em Nova Iorque em 1980 e um ano depois em Paris.



Seguem-se etapas complicadas nos Estados Unidos, no México e de novo em França, mas recorde-se apenas um dos seus filmes mais emblemáticos, «Viridiana», absolutamente inesquecível, de 1961. Ganhou nesse ano a Palma de Ouro em Cannes, mas, depois de ser condenado pelo Osservatore Romano que o classificou como «blasfémia» e «sacrilégio», foi proibido pela censura em Espanha e só veio a ser exibido em 1977. (Vale a pena ler este texto de Lauro António.)



A célebre cena da Última Ceia:


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Mediterrâneo é isto



Libération #Willem du jour
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Porque o PS não vai ter maioria absoluta



«Nas últimas semanas, o cenário de maioria absoluta do PS regressou. Após as europeias, as sondagens foram revelando uma subida dos socialistas e uma estabilização ou mesmo recuo do voto no PSD e no CDS. Na média das sondagens, a diferença entre PS e PSD está em redor dos 15 p.p.

Se recuperarmos a última sondagem do ICS/ISCTE, há mais elementos a favorecer o PS: a avaliação da governação e da situação da economia são positivas e o PS é percecionado como o partido com as melhores respostas para os problemas identificados como prioritários.

Acrescentando a conjuntura política, com o PSD envolvido numa turbulência sistemática (agora em torno das listas de deputados) e com os socialistas com uma imagem de união, percebe-se melhor a tendência de reforço do PS. Mantendo-se tudo o resto estável e acrescentando uma dinâmica de campanha que tende a favorecer quem vai à frente, faz sentido que se fale de maioria absoluta, até porque há uma diferença muito significativa entre primeiro e segundo partido mais votado. Um cenário de 20 pontos de diferença entre PS e PSD, com o CDS também com uma votação baixa, aproximaria 2019 das maiorias de Cavaco Silva, enquanto distanciaria do empate de Guterres e da maioria de Sócrates.

Mas é um equívoco. Dificilmente o PS poderá alcançar uma maioria absoluta e laborar nesse cenário, aliás, fragiliza as condições de governabilidade no pós-6 de outubro.

Se assumirmos que a avaliação da economia é um bom indicador do voto, a verdade é que as perceções subjetivas sobre o estado da economia não são tão positivas como é o próprio comportamento. Há, de novo na sondagem ICS/ISCTE, cerca de 35% dos portugueses que afirmam que a economia está na mesma e 26% que julgam ter piorado. Longe, portanto, de uma dinâmica de maioria absoluta.

Seria muito surpreendente que o eleitorado em Portugal se comportasse em contratendência, reforçando massivamente o voto num partido de centro, quando o padrão europeu tem sido de recuo do centro e de crescente fragmentação partidária. Aliás, ao contrário de 1987 e 1991 (e até 1999 e 2005), mesmo o crescimento do partido mais votado vai coexistir com um Parlamento mais fragmentado (com, pelo menos, o reforço do PAN) e resistência do voto à esquerda do PS. Igualmente importante, a distribuição do voto do PS no território continua marcada por regiões em que os socialistas tendem a ter resultados abaixo da média (área metropolitana do Porto, litoral oeste e ainda o interior centro). Se a isto acrescentarmos os resultados fracos entre os eleitores até aos 35 anos, a margem para uma maioria absoluta é curta.

Tanto mais que, como sempre, sobra a política. O sucesso da ‘geringonça’ dificulta a dramatização em torno da maioria absoluta. Bem pelo contrário, a estabilidade desta legislatura permitirá ao BE e ao PCP alimentar com eficácia uma campanha valorizando os entendimentos e acenando com os perigos de uma maioria absoluta.»

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28.7.19

Brasil: sucedem-se notícias e apelos




«Indígenas da etnia Wajãpi denunciaram neste sábado que um grupo de garimpeiros assassinou o cacique Emyra Wajãpi, de 68 anos, na última quarta-feira. A morte foi o início de um ataque à aldeia Mariry, que se concretizou depois entre sexta e sábado com a invasão de 50 garimpeiros no local, localizado no oeste do Amapá.»

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Injustiças


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Apelo de Caetano Veloso




… lançado ontem.

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A felicidade está no outro lado do mundo?



«Saem do país porque cá não entraram no curso que mais desejavam. Aos 18 anos, eles não querem sair, mas as ordens e associações profissionais que pressionam os sucessivos governos a não abrir mais vagas no ensino superior, levam a que há décadas, os miúdos saiam para Espanha, Reino Unido, Hungria, Estónia há procura de concretizar os seus sonhos. E os pais pagam.

Saem do país para fazer o mestrado ou o doutoramento. Não porque cá não existam formações de referência com professores de renome, mas porque dizem-lhes que os empregadores dão mais peso a quem tem formação no exterior. E os pais pagam.

Saem do país para fazer voluntariado. Pasme-se. Não porque por cá não existam crianças maltratadas, animais abandonados ou praias cheias de plástico e lixo para ser apanhado, mas porque, mais uma vez, dizem-lhes que os empregadores reconhecem quem tem experiência lá fora. E os pais pagam.

Eles saem porque os pais podem, mas também porque eles querem. Saem por estas razões e por mais algumas — é importante ver o mundo e ter mundo. É importante conhecer os outros, aprender a ser estrangeiro noutras terras para compreender o que é ser estrangeiro na sua. É importante para aprender a ser tolerante, a respeitar as outras religiões, culturas e tradições, a ser um cidadão do mundo, como terá dito Sócrates. Não esqueçamos que foi para se aprender a ser europeu que se criou o programa Erasmus.

Eles saem e quando voltam inscrevem nos seus curriculum vitae toda a sua experiência no exterior. São uma espécie de estrangeirados porque trazem mais-valias como a maneira como se trabalha, as relações profissionais menos hierarquizadas, outras ideias, novas necessidades, etc.. Trazem a licenciatura na universidade francesa; o voluntariado na associação de apoio infantil nepalesa; o estágio no ateliê de arquitectura holandês, no jornal de referência húngaro ou no hospital argentino. Têm currículos que nem os empregadores, nem os futuros colegas de trabalho têm. E, em contrapartida, o que lhes oferecem? Estágios atrás de estágios. Promessas atrás de promessas. Nada de compromissos.

Eles voltam a sair, cansados de serem estagiários profissionais. E quando saem ouvem vozes indignadas que os condenam. São uns incultos — eles que andaram pelo mundo, conheceram outras realidades, provaram outros sabores —; não se comprometem com nada, não vestem a camisola — eles que tiveram mais formação, experiências diferentes que podem partilhar, mas que ninguém está disponível para os ouvir, para abrir-lhes as portas, para os fazer sentir que pertencem a um lugar.

Eles voltam a sair e espantamo-nos por o fazerem. Por que não se contentam com o que lhes oferecem? Por que é que com essas migalhas não se casam, por que não têm filhos? São uns egoístas, uns autocentrados, têm medo do compromisso, catalogamo-los. Uma geração perdida, não como tantas outras que a antecederam, mas pior, muito pior!

Eles saem porque querem ser felizes. A sua forma de resistir a um país que não os quer é com a ideia da busca da felicidade, lá fora, onde podem ser ouvidos, onde podem brilhar — não conhecemos tantos casos de sucesso de portugueses espalhados pelo mundo, a marcar a diferença em tantas áreas, da representação à investigação? —, onde podem constituir família. Entretanto, por cá, ficam os “donos disto tudo” e os pais que investiram no futuro dos seus filhos e vêem crescer os seus netos à distância. A felicidade está no outro lado do mundo? Está, mas também podia estar aqui. Para todos.»