5.9.20

Disto não temos por cá (5)



Catedral de Sal, Zipaquirá, Colômbia, 2012

Não sei quantas catedrais já terei visitado, mas nenhuma como esta – de sal. Ocupa três camadas já desactivadas de minas (ainda hoje exploradas a 1.200 metros de profundidade) e resulta de uma verdadeira proeza técnica que tirou partido dos túneis e das cavernas que sobraram da antiga actividade de extracção.
Atinge 180 metros de profundidade e nela se percorrem as 14 estações da Via Sacra, que desembocam na catedral propriamente dita, com três naves – tudo num impressionante percurso, complexo e muito bem iluminado. Foi construída entre 1991 e 1995 e substituiu uma outra mais antiga.



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Marisa Matias



Obviamente.
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A vida, esta surpresa sem limites



E se nos dissessem há alguns meses que se ia dançar sentado no Lux?

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Deus perdoa... tudo?



«A expressão, recorrentemente usada entre os católicos, serve, normalmente, para expiar os pecados dos crentes e será, porventura, uma das suas maiores provas de fé. Mas repetir várias vezes, para dentro, que "Deus perdoa", resolve tudo?

Uma crise, quando chega, afeta todos. Uns mais do que outros, é verdade, mas, seguramente, a Igreja não é uma exceção. Seja pela diminuição das receitas - mais conhecidas por esmolas -, seja pelos encargos adicionais que uma pandemia acarreta a qualquer instituição. Mas não só a Igreja não é uma instituição qualquer, como, certamente, o Santuário de Fátima não tem qualquer justificação para despedir trabalhadores.

Fátima é aquilo a que, em linguagem popular, se pode chamar uma mina de ouro. Em muitos casos, o ouro é literal, tantas são as ofertas que o Santuário tem recebido dos fiéis ao longo dos anos, as heranças e os bens em espécie que vão avolumando o património num valor que, sendo incalculável, nunca foi verdadeiramente revelado.

E este é um dos aspetos mais negativos e perniciosos na atuação da Igreja: a opacidade. Quem fizer uma pesquisa rápida no Google à procura de informação sobre as contas do Santuário de Fátima tem de recuar 14 anos para encontrar alguma coisa. E o que encontra é curto. É como se os fiéis - e os não crentes, já agora - não tivessem direito a conhecer os números. Pior, é como se a Igreja gozasse de um privilégio divino que a desobriga de prestar contas ao comum dos mortais e só a Deus tivesse de confessar o que fatura e onde gasta o dinheiro.

Os privilégios da Igreja são, precisamente, o segundo fator que torna esta reestruturação no Santuário de Fátima ainda mais incompreensível. As regalias e as isenções fiscais garantidas pela concordata deviam, em consciência, obrigar a Igreja Católica a um outro sentido de responsabilidade para com o país e a sociedade. Despedir 100 trabalhadores num universo de 400 (com rescisões, não renovações ou de qualquer outra forma), quando se "fatura" milhões livres de impostos todos os anos e se tem tanto património é, no mínimo, ultrajante. E dificilmente encontrará explicação na Bíblia.

Para a hierarquia da Igreja, no acerto de contas final com Deus, pode até ficar tudo perdoado. Mas, pelo caminho, cerca de 100 pessoas - que não têm sindicatos nem comissões de trabalhadores para as defender - perderam o emprego. Há famílias que vão passar pior a partir de agora e tudo isso era desnecessário. Bastaria, porventura, que a Igreja fosse coerente com a doutrina que apregoa aos outros, todos os domingos, e desse o exemplo. Porque, se não o começar a fazer rapidamente, o número de fiéis vai continuar a diminuir e a "crise económica" será o menor dos problemas.»

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4.9.20

Disto não temos por cá (4)



Antígua, Guatemala, 2014

Transportes públicos bem coloridos talvez tornem menos tristonhas as estradas de um país. Somos tão sisudos aqui pelas Europas… A central de camionagem de Antígua é um espectáculo!


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Sem morte assistida




Porque não tem direito à morte assistida, este francês, que está paralisado há 34 anos e confinado à cama, e que leva uma vida de dores comparável a receber descargas elétricas a cada "dois ou três segundos", decidiu o seguinte:

«Esta sexta-feira à noite, Cocq vai parar os tratamentos. Espera morrer dentro de de "quatro a cinco dias" e, a partir deste sábado, vai exibir o que está a sentir em direto para "mostrar aos franceses a agonia imposta pela lei".
Alain Cocq espera que a sua luta sobreviva e que a sua história abra a discussão no país sobre uma legislação que impeça outros de passar por "sofrimentos desumanos".»
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Manifesto pela Educação para a Cidadania e Desenvolvimento



Como já foi divulgado na imprensa, centenas de pessoas (muitas mais estão a fazê-lo hoje) lançaram um Manifesto contra o ataque à disciplina de Cidadania.

O texto está agora aberto AQUI para quem quiser aderir, devendo para o efeito ser enviado um mail com nome e profissão para educacivic@gmail.com
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Educação para a cidadania incomoda



«Num país em que há elevado nível de abstenção nos actos eleitorais e baixo nível de participação cívica parecia ser natural que a inclusão da disciplina de Educação para a Cidadania nas nossas escolas fosse motivo de satisfação generalizada. No entanto, surgiu um manifesto que a hostiliza. Nele se exige que seja respeitada a objecção de consciência, tornando a disciplina não obrigatória. Alguns signatários são académicos e até ex-ministros da educação. Um destes, que é uma, sendo também comentadora política apressou-se a explicar-nos o motivo da indignação que está na base do documento: “O facto de ser [disciplina] obrigatória significa que toda a gente tem que pensar da mesma maneira; mas nestas matérias não pode haver unanimismo, como na História ou na Matemática. Se não há unanimismo, ele [o conteúdo lectivo] não pode ser imposto” (M. Ferreira Leite, TVI 24, 2/9/2020). Conclui-se, então, que na opinião da signatária e comentadora, se as disciplinas de História e Matemática não tratassem de matérias “onde há unanimismo” também deviam ser opcionais.

O problema é que contrariamente ao que a ex-ministra da Educação supõe, não se conhece nenhum espaço disciplinar em que reine o unanimismo ou haja rígido corpo de verdades absolutas prontas a serem comunicadas aos alunos. Assim sendo, à luz da argumentação apresentada, nenhuma disciplina devia ser obrigatória. Complicado.

Talvez seja bom parar e reflectir sobre o ponto a que se chegou. Não teremos passado os limites da decência intelectual? Não é já intolerável este abrandamento da chama da elevação mental?

Curioso que os autores do manifesto não sejam conhecidos por se terem manifestado com igual zelo contra a obrigatoriedade da disciplina de Religião e Moral no curriculum da escola pública do ancien régime, muito embora boa parte deles tenha vivido essa realidade. Também não são pessoas em quem se reconheça ter havido até hoje grande preocupação em criticar a influência ideológica e o controlo exercidos pela Igreja Católica sobre a escola ao longo de longuíssimo tempo. Ao que parece, aos seus olhos, esse influir ideológico monopolista era saudável. Não ignoro ser D. Manuel Clemente um dos signatários. Mas justificará a função cardinalícia a ausência de indignação crítica em relação a pretérita dominação ideológica?

A reivindicação da oposição de consciência transporta consigo um perigo para a educação: tende a retirar aos professores a responsabilidade de definir os conteúdos programáticos, transferindo-a para os pais ou para os encarregados de educação. Dessa forma, abre-se a porta aos pais criacionistas que pretendam ver os programas expurgados de darwinismo, ou aos terraplanistas que exijam a leccionação da sua crença. Será que também esses têm direito à objecção de consciência no espaço do ensino da Geografia ou da Biologia?

Os indignados apoiantes do manifesto (subscritores ou outros) são quase sempre sujeitos que defendem o ideal da família patriarcal, da hierarquização, no respeito pelo dogma da desigualdade entre os sexos e explorando a nostalgia de uma pureza mítica. Outras formas de família são consideradas uma negação da condição natural e da normalidade. São, devido a essa alegada conflitualidade com as leis da Natureza, sintomas de doença afectante do corpo da sociedade, sinais de degenerescência, de um mal que deve ser travado. Não nego que muitos dos que assim pensam e sentem sejam movidos por óptimas intenções. O problema é que, como a história ensina, isso não chega. E se as boas intenções se estribam em ilusões, em crenças preconceituosas, em visões míticas, podem facilmente conduzir ao terror.

Para se compreender a zelosa oposição à disciplina em causa é necessário ter presente que o modelo patriarcal é estrategicamente fundamental para a implementação de certo tipo de políticas. Essa visão sempre foi um dos pilares dos regimes totalitários. Daí que talvez não se deva estranhar o horror agora manifestado. O ressurgimento das direitas antidemocráticas é uma evidência do tempo presente. É também uma evidente ameaça à Liberdade, à Igualdade e à Justiça social.

Precisamos mesmo de educação para a cidadania.»

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3.9.20

Disto não temos por cá (3)



Cape Cross, Costa dos Esqueletos, Namíbia, 2007

Não os contei, não sei se há 200.000 leões-marinhos (ou muitos mais, como já vi referido), perto deste cabo descoberto por Diogo Cão em 1486, mas o espectáculo é verdadeiramente impressionante! Trata-se de uma das maiores colónias de lobos-marinhos-do-cabo no mundo e é uma das 15 existentes na Namíbia. Em terra e no mar, sempre prontos a saltarem para um barco, na esperança de receberem um peixinho para o almoço e umas festas antes de voltarem a mergulhar.





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A propósito da polémica da semana




Grande equívoco: quem se encarrega da «formação sexual» das nossas crianças não são os pais nem a tal disciplina amaldiçoada nas escolas, mas sim Messrs. Google, Youtube, Instagram, etc.
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Está quase a acabar



O lobo vai regressar ao novo normal.
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A Cidadania não é facultativa


Sobre uma das polémicas da semana, não deixar de ler este texto de João Costa, Secretário de Estado da Educação.

«Em coerência, os signatários proporiam um rastreio de todo o currículo, para identificar todos os domínios em que há influências culturais, religiosas, estéticas ou filosóficas? Alegrariam alguns revisionistas, alguns terraplanistas, muitos criacionistas. Seriam também os assassinos do estudo da arte, do pensamento filosófico, da física, de algumas maravilhas da literatura. Se for só porque não gostam da Cidadania, são apenas a voz de um manifesto muito claro que grita: “A cidadania é facultativa. Só respeito os direitos dos outros se a minha consciência o ditar.” Queremos isto?

Nenhum aluno foi mandado reprovar pelo Ministério da Educação. A todos os alunos é dado o conhecimento disciplinar e transdisciplinar que os capacita para a promoção dos direitos humanos.»
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Eduardo Galeano - Chegaria hoje aos 80



Este grande uruguaio nasceu em Montevideu, em 3 de Setembro de 1940, morreu há cinco anos, quis ser jogador de futebol mas acabou escritor com mais de quarenta livros publicados. Andou a fugir de ditaduras, em 1973 foi preso depois do golpe militar no seu país e exilou-se na Argentina. Com o golpe militar de Jorge Videla em 1976, viu o nome colocado na lista dos «esquadrões da morte», partiu para Espanha e só nove anos mais tarde regressou à cidade que o viu nascer.

Ia assim o mundo em 3 de Setembro de 1940, descrito por Galeano nesta página de Os filhos dos dias, publicado em 2012:


Dois vídeos:




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2.9.20

Disto não temos por cá (2)



Numa igreja, algures na Geórgia, 2012

Este cartaz deixou-me perplexa. Para além do proibicionismo militante, só uma coisa é certa: nem mulheres nem homens podem entrar de calções. Já quanto ao resto, nada impede os homens de envergarem uns mini-vestidos, tops de alças ou calças compridas, nem as mulheres de levarem revólveres, fumarem um cigarrito ou falarem ao telemóvel. É mais ou menos isto, não?
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Setembro chegou



… e mais pequenos restaurantes estão a fechar – o da esquerda acabou há dois dias. (Junto à Loja do Cidadão das Laranjeiras em Lisboa.)
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Os símbolos morrem de pé



No Manifesto dos 100 direitolas sobre a disciplina de «Educação para a Cidadania», a lista alfabética dos subscritores tem naturalmente à cabeça o nome de um ministro de Salazar. Confesso que me dá um certo gozo.

(Propositadamente, não ponho link para o texto, não contribuo para a propaganda do mesmo. Mr. Google deve ajudar os interessados a encontrá-lo.)
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Velhos e pobres, o que fazemos com os lares?



«Todos os desenvolvimentos humanos, por mais positivos que sejam, têm efeitos colaterais negativos. Mesmo a entrada da mulher no mercado de trabalho, que lhe permitiu conquistar a liberdade que, lentamente, lhe deu domínio sobre a sua subsistência, o seu corpo, a sua carreira, a sua vida. Isso e muita luta, claro está. Um dos efeitos foi deixar de existir quem, em casa, ficasse a tratar da família. Sejam as crianças, sejam os idosos. Ninguém quer esse passado de volta.

Quem diz que as famílias abandonam os velhos nos lares fala de barriga cheia. Claro que há quem os abandone. Há até quem tenha sido abandonado pelos pais e tenha aprendido com eles. E há quem não tenha outra forma de fazer, quando tem de ganhar o pão de cada dia, casa pequena e muito pouco tempo. Quem faz julgamentos generalizados sobre o abandono de velhos esquece que muitos dos seus familiares foram abandonados com eles. E é bom perceber que o aumento da longevidade leva a que a vida não seja apenas mais longa, mas seja longa com doenças, deficiências, incapacidades e dependências, o que torna a ideia de que os cuidados a idosos possam ser uma responsabilidade solitária das famílias num mito irrealizável e numa fonte de sofrimento para todos, idosos, cuidadores outros familiares.

Na realidade, os portugueses abandonam menos os velhos nos lares do que muitos europeus. Não porque sejam mais solidários. Somos um dos países que mais maltrata os idosos e, na OCDE, dos que menor percentagem do seu PIB gasta com respostas de longa duração para eles. A razão é mais prosaica: mesmo com a comparticipação da segurança social, nem para abandonar os velhos em lares temos dinheiro.

Quando a ministra do Trabalho e Segurança Social sublinhou que tivemos menos mortes por covid em lares do que muitos países europeus faltou-lhe falar da nossa taxa de institucionalização. Os lares legais garantirão um pouco abaixo de cem mil lugares, e se a isso juntarmos os lares clandestinos deve aproximar-se dos 120 mil. Certo que só 13% dos nossos idosos têm apoio formal, seja em lar (legais), em centro de dia ou em apoio domiciliário. Ainda somos dos países que mais depende dos cuidados informais.

O que também quer dizer que se este país se desenvolver um pouco, e mesmo que outras soluções ganhem peso, teremos mais velhos em lares. Também é previsível que a média de idade da nossa população continue a aumentar. Isto criará pressão na necessidade de resposta em quantidade. Depois há a qualidade. A pandemia revelou a alguns distraídos que os lares são, em geral, maus. Se tudo correr bem, haverá cada vez mais pressão para que melhorem, nas suas condições físicas e no acompanhamento à saúde.

Os cuidados sociais não tiveram, quando foi escrita a Constituição, o mesmo tratamento que teve a educação e a saúde, mantendo-se sobretudo dependentes do sector social e privado, mesmo com subsídio do Estado. Nem nos primeiros anos da infância, nem na velhice. A questão não é apenas a de saber quem presta o serviço, mas se é dever do Estado garantir a sua universalidade. Para essa decisão talvez tenha pesado, na altura, a pressão da Igreja e das Misericórdias, que queriam garantir o seu poder na única área que lhes sobrava.

Só que mudou uma coisa: o envelhecimento da população, com cada vez mais doenças e incapacidades durante mais tempo de vida. Entre os utentes dos lares, metade tem mais de 80 anos. Neste momento, há lares a fazer as vezes de cuidados continuados: são hospitais de retaguarda, com doentes acamados, entubados, algaliados e totalmente dependentes. Segundo a Carta Social, cerca de 80% dos utentes dos lares não toma banho sozinho, mais de 75% não se veste sozinho, 60% é dependente na mobilidade e para ir à casa de banho, 60% sofre de incontinência e quase 40% não consegue alimentar-se sem apoio. E onde se faz a fronteira entre a manutenção da saúde de pessoas fisicamente dependentes e o trabalho social? Até há hospitais a fazer as vezes dos lares, com os internamentos sociais por não haver onde pôr as pessoas.

Mesmo com todo o empenho, o pessoal que trabalha em lares é pouco qualificado. Porque é muito mal pago. E mesmo assim, os lares são tão caros e estão tão lotados (mais de 90% de taxa de ocupação, obrigando muitos idosos a irem para lares fora do seu concelho) que abrem ao lado lares clandestinos, ainda piores, para um público com menos recursos. O que por lá acontece, nem sonhamos. E quando o Estado fecha um abre outro ao lado. Haja procura que vai sempre haver oferta.

A preguiça manda trocar a complexidade da solução de problemas complexos pela simplicidade do discurso moral. É disso que vive a indignação profissional. Neste caso, o problema até é simples: somos pobres e temos problemas de ricos. Não temos dinheiro para os lares mas já não temos as estruturas familiares de sociedades menos “desenvolvidas” (não cabe neste texto discutir o termo). Complexa é a solução.

Podemos discutir se queremos apostar mais no apoio domiciliário, semirresidencial e no apoio aos cuidadores informais. E, como imaginam, acho relevante discutir a eficácia (para além dos custos) de soluções públicas, privadas, privadas com apoio público ou do sector social com apoio público. Sendo para mim mais do que certo que o Estado está constitucionalmente obrigado a dar resposta às necessidades de saúde que ocupam uma boa parte do trabalho dos lares, isso dá-lhe um papel reforçado em todas as respostas. No fim, continuará a faltar lugar e apoio a muita gente, porque as nossas capacidades estão muito longe das nossas necessidades. Seja qual for o caminho não deixaremos de ter mais pessoas institucionalizadas e precisar de mais dinheiro. E se não queremos depósitos para velhos, os custos serão muito maiores por pessoa do que são agora.

Não é indiferente o modelo. Mas qualquer um deles, para ser decente, é muito mais caro do que aquilo que temos hoje. O que nos leva ao mesmo debate que temos sempre que falamos do envelhecimento da população: a sustentabilidade financeira. Os irados de Facebook (muitos coincidem com os que se opõem à imigração, que ajudaria a reverter a crise demográfica) falarão das mordomias dos políticos e da corrupção. Os que procuram soluções sabem que essa conversa fácil é fogo de artifício para esconder a falta de resposta.

Uns países criaram uma sobretaxa para pagar o internamento, outros têm sistemas de poupança obrigatória e penso que o Reino Unido até ponderou ir buscar às heranças os custos do Estado com lares. E há quem perceba que, tendo de se reforçar largamente a valência de cuidados continuados em todos os lares, estamos a falar de serviços de saúde e é discutível que isso não seja dever do Estado, como é o SNS. Seja qual for a solução, é preciso lidar com este facto: o de sermos um país pobre e envelhecido. Não há poema sobre a velhice, texto indignado com a indignidade dos lares ou saudades das mulheres cuidadoras sem vida própria, que ainda as há, que resolva isto. É de políticas públicas que precisamos.»

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1.9.20

Disto não temos por cá (1)



Livingstone, Zâmbia, 2007

Perto do quarto do hotel, junto às Cataratas de Vitória: crocodilos à vista e macacos que partilham espreguiçadeiras com os turistas.

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Educação para a Cidadania?



Cerca de 100 criaturas lançaram um Manifesto que dizem ser público, mas cujo texto completo ainda não apareceu até à data, em que defendem uma expectável posição colectiva mais do que rançosa e reaccionária.

Leia-se ESTE TEXTO, com o resumo do que pretendem (e com muitos nomes para além dos citados na imagem).
Mas também este outro de Paulo Pedroso com uma crítica inteligente: A educação é um direito dos educandos.
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Ele aí está



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Não tem de ser um caos



«O estudo em casa pode ter sido o melhor dos piores recursos em tempos de pandemia, mas hoje sabemos como o ensino presencial é insubstituível. Meses depois do primeiro susto, o regresso às aulas não tem de ser uma impossibilidade, nem um caos.

Assim como o SNS, também a Escola Pública precisa de cuidados e preparação para cumprir o seu papel enquanto serviço público essencial e universal. Com um corpo docente envelhecido e falta crónica de técnicos especializados e trabalhadores não docentes, há muito que as medidas mais importantes estão identificadas. A covid só aumentou a sua urgência.

No regresso à escola, as regras sanitárias são certamente importantes, mas não podem ser asseguradas sem o pessoal de apoio necessário. O distanciamento social deve ser levado em atenção, mas vale de pouco com turmas sobrelotadas em espaços limitados. O ensino de qualidade tem de ser prioridade, mas é ameaçado pela falta de professores, agravada pela necessidade de substituir todos os que se insiram em grupo de risco.

Em Lisboa, o Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira, que esteve aberto durante todos estes meses para receber os estudantes filhos de trabalhadores essenciais, não registou qualquer surto de covid. Isto porque foi possível garantir que tanto o espaço como o número de professores e técnicos eram adequados à quantidade de crianças. Embora na Autarquia de Lisboa (onde o Bloco é responsável pela pasta da Educação) todas as escolas cumpram pela primeira vez os rácios de funcionários por aluno, esse cumprimento é responsabilidade do Ministério da Educação. Se o Governo já estava em falta porque nunca chegou a implementar a revisão de rácios aprovada no Orçamento de 2020, agora tudo isso se tornou insuficiente.

Em Madrid as turmas já começaram a ser desdobradas. Em Portugal essa medida (óbvia) de proteção da comunidade escolar foi rejeitada no Parlamento com os votos contra do PS e da Direita. Foi tempo que se perdeu para preparar o ano escolar que agora começa.

Chegamos hoje a setembro e o Governo não contratou mais pessoal nem fez o levantamento das necessidades de professores. Não preparou a redução das turmas nem assegurou o desdobramento dos espaços, recorrendo, por exemplo, às autarquias. Falta fazer quase tudo, mas isso não é desculpa quando se sabe o que tem de ser feito para evitar que o início do ano escolar seja um caos.»

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31.8.20

Agosto


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Sem palavras



«A Associação Alzheimer Portugal deixou, este domingo, um apelo às autoridades de saúde para que tenham especial atenção com os pacientes que sofrem de demência, no contexto da pandemia de Covid-19.

Nos últimos meses, perto de uma dezena de idosos com demência foram proibidos de entrar com acompanhante nos hospitais por causa das medidas de contenção da Covid-19 e acabaram mais tarde por ser dados como desaparecidos, depois de receberem alta hospitalar sem que os familiares tivessem conhecimento.»
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O Novo Normal



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Amanhã é o primeiro dia do resto da sua vida



«Num Tempo Que Passou, estava em Lisboa a gravar o "Sexualidades" e alguém me entregou uma carta. Familiar, no plural, qualquer coisa do género "vemos-o-programa,-vens-jantar-cá-a-casa?."

A minha disposição em Maré Alta, partilhar a mesa com o Sérgio Godinho! As suas canções há anos e anos comigo; inconfundíveis. Maravilhava-me como tantas palavras nelas cabiam, não metidas a martelo, mas por a sua mestria as tornar esguias e maleáveis, tudo encaixava e era único; seria ridículo ter Cuidado Com As Imitações.

Foi uma delícia, saímos pela Lisboa Que Amanhece, havia quem nos visse parecidos e lhe perguntasse "é teu primo?". Posto à la Nizan, eu tinha 40 anos e não deixarei ninguém dizer que estávamos No Lado Errado Da Noite. Vim-me embora Com Um Brilhozinho Nos Olhos e uma certeza - Hoje Fiz Um Amigo.

Trinta anos volvidos, cada reencontro é pretexto para continuarmos a conversa, indiferentes aos meses ou até anos de intervalo entre duas frases. Várias vezes me enrosquei na plateia para assistir a ensaios, com o fascínio que me despertam os artistas nesses momentos. Há neles a cumplicidade de anos de estrada que permite as associações livres mais hilariantes ou ternurentas, a banda toca, ensaia e vive por e para si mesma, o velho entusiasmo permanece, dir-se-ia que usaram e abusaram do Elixir Da Eterna Juventude.

Claro que já perdi a conta aos espectáculos, mas retenho um na memória. O Coliseu do Porto a rebentar pelas costuras para ouvir um dos filhos dilectos da cidade. Canções cantadas em coro e a plenos pulmões, não importa o dia, É Terça-Feira. De repente, o meu filho mais novo murmurou, com orgulho satisfeito - "estão aqui três gerações". Era verdade, O Coro das Velhas contagiara gargantas juvenis. Que pode mais ambicionar um artista? A sua obra correu de mão em mão, saltou de ouvido para ouvido, jovens cresceram a escutar os mais velhos trautearem canções que também os tocaram; fizeram-nas suas. Que Força É Essa, que faz do talento património imaterial das lendas familiares?

Por isso, Espalhem A Notícia - o Sérgio faz anos. E presenteiem-no com o que maior ternura lhe pode despertar, trauteiem-lhe as canções; A Vida É Feita De Pequenos Nadas, ficará feliz. Eu vou fazer figas para que um dia destes, nas suas andanças, pense - "O Porto Aqui Tão Perto, vou desafiar o Júlio para um peixe em Matosinhos."

E sentados em amena cavaqueira sobre o quotidiano deste Portugal, Portugal - talvez acompanhados pelo Palma - brindaremos Aos Amores.

Revivendo O Primeiro Dia da nossa amizade.

Nota: O texto em itálico é da autoria de Sérgio Godinho, com excepção de Portugal, Portugal (António Joaquim Fernandes/Márcia Lúcia Amaral Fernandes Fernandes).»

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30.8.20

Bicharada Pré-Covid (1 - 10)


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E Deus divertiu-se



Salvem-se a si próprios



«Setembro aí está à porta num contexto nacional e internacional que não permite empurrar lixo para debaixo do tapete, nem a mais pequena desatenção por parte do Governo ou das forças políticas e sociais que não aceitam o agravamento das injustiças, das desigualdades e dos bloqueios ao desenvolvimento do país.

Durante seis meses, conscientemente, congelaram-se problemas à espera de melhores dias, o Estado foi chamado a prestar proteção reforçada e a assegurar rendimentos a muitos portugueses e, acima de tudo, a apoiar empresas que jamais sobreviveriam apenas pelos seus próprios meios. Como se perspetivava, a partir deste fim de férias (que imensos portugueses não tiveram) não é sustentável prosseguir aquelas políticas nos moldes em que vinham a ser aplicadas. Os recursos são limitados e está na hora de fazer escolhas na perspetiva de se encetar um plano estratégico progressista para a saída da crise. No Orçamento do Estado para 2021, peça primordial de opções de longo alcance, essas escolhas devem estar refletidas.

O país precisa de investimento público e privado, de apoios ajustados a todos as formações e estruturas económicas, mas é notória a existência de demasiados empresários entregues ao velho vício da pedinchice ao Estado, escamoteando responsabilidades próprias. Entretanto, eleva-se o coro ensaiado por "destacadas" figuras do jornalismo e "líderes" de opinião, que visa colocar os trabalhadores e o povo português sob a batuta da austeridade. Estas pessoas, em regra privilegiadas, estão imbuídas da suprema e permanente tarefa de ensinar os pobres a apertar o cinto.

A rentrée política este ano é muito exigente. Necessitamos de soluções para problemas prementes: é um imperativo proteger e reforçar (já) o sistema de saúde; abrir as escolas e garantir aulas presenciais; reforçar a proteção da maioria dos trabalhadores no ativo e os desempregados; preservar meios para apoios cirúrgicos a empresas nos seus processos de retoma, de reestruturações ou de criação de novos projetos. Nestas soluções, por experimentações calculadas, a ação do Estado será fundamental, mas de igual relevo serão, também, a participação da sociedade e o assumir de riscos e responsabilidades por parte das empresas.

As reivindicações fundamentais de centenas de milhares de trabalhadores - dos setores público e privado - que perante os duros impactos da pandemia foram considerados essenciais e que continuam com salários de miséria e frágeis condições de trabalho devem ser cumpridas. Sem hesitações, há que pôr de lado políticas de desvalorização interna que impõem reduções de salários e cortes nos direitos e rendimentos do trabalho. Entretanto, tenha-se presente que, quanto mais a Direita (ou partes desta) descamba para posições retrógradas e fascistas, mais se enfraquece a capacidade de mobilização dos cidadãos e mais crescem as reivindicações parasitárias ao Estado.

Dados divulgados sobre a evolução do défice público apresentam-nos, sem surpresa, mas com preocupação, uma quebra das receitas e um aumento das despesas. Este cenário reclama maior atividade económica e disponibilização de rendimentos na sociedade. O envolvimento empenhado e responsável das empresas na obtenção destes objetivos será um contributo para a própria salvação da maioria delas.»

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