9.10.21

Lisboa de antanho, ainda



 

Vendedor ambulante de água fresca e capilé.
Avenida 24 de Julho, Lisboa, 1908
Foto de Joshua Benoliel
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Jacques Brel partiu há 43 anos

 


Adormeceu num 9 de Outubro. Excepto que estava muito longe de ser velho como os velhos que tão bem cantou: «Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps».



Mais:






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Cavaco está cheio de razão

 


O «executivo anterior» foi o da Geringonça 2015-2019. Pensasse…
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Expulsar os eleitores da cidade mata os votos

 


«Não há mistério no facto de a zona de Lisboa e Vale do Tejo ser onde se regista a maior concentração de pessoas sem médico de família. Faltam em todo o país cerca de 600 especialistas nesta área, que responderiam por um milhão de utentes, e é portanto um problema geral; mas na zona da capital está metade dessa população, há algo mais grave que se passa nessa região. Diz-se que é difícil conseguir a deslocação de outras profissões para fora da capital, e aqui temos o paradoxal caso contrário: não se conseguem atrair médicos para virem trabalhar para Lisboa. Um dos elementos de explicação é que as casas são demasiado caras: um aluguer, a acumular com o pagamento da hipoteca na cidade de origem, torna-se incomportável; comprar uma segunda casa, igualmente difícil; só para os médicos que se mudam de armas e bagagens com a família, deixando tudo para trás, é que a opção parecerá aceitável, mesmo sofrendo um imobiliário mais caro. Acho que se deve levar a sério o alerta que esta dificuldade revela. Explica uma das razões, talvez a principal, para a surpreendente derrota do PS na capital.

A população que se vai embora

Ainda por cima, as pessoas não chegam mas partem: numa década, segundo os dados provisórios do Censo 2021, Lisboa terá perdido 1,4% da população (menos 7849 habitantes). Dado enganador, porque perdeu muito mais, pois também recebeu estrangeiros que vieram para comprar ou alugar casa e viver. A mudança da população é portanto muito maior do que esses magros 1,4% sugerem. A população estrangeira no concelho cresceu 305%, nesta década, passando a ser, segundo os dados de 2020, cerca de um quinto do total, mais de 107 mil. Não conheço dados que permitam distinguir a sua tipologia social; muita gente será imigrante económica, mas alguns, cada vez mais, serão pessoas que investem no imobiliário, para habitar ou para especular, ou que chegam para beneficiar do regime fiscal de favorecimento aos pensionistas estrangeiros. E, se estes se instalam, e são bastantes, mais habitantes da cidade saíram, pois o saldo final é negativo. Um décimo da população de Lisboa pode ter abandonado a cidade ao longo de uma década, foi um terramoto populacional. O PS expulsou os seus eleitores da cidade.

Expulsar eleitores conta no dia do voto

Uns saíram por vontade ou escolha profissional, as razões serão variadas. Outros terão sido as vítimas da gentrificação através da sua mecânica implacável, que vai da lei Cristas sobre os arrendamentos, facilitando o fim dos contratos e o aumento das rendas (era uma ideia antiga: na apresentação do famigerado PEC4 anunciava-se o princípio da “expulsão” dos inquilinos), até ao incentivo mais poderoso, a multiplicação do Alojamento Local. A lei Cristas permanece, nunca o Governo atual aceitou modificá-la para além do adiamento de prazos, e cresceu assim a pressão de mercado para usar apartamentos para aluguer de curta duração, sobretudo em zonas históricas.

O sucesso da operação é indesmentível. Em 2015 havia 3213 alojamentos locais em Lisboa, cresceram 600% até abril de 2021 (para 19.292, com capacidade para 111 mil pessoas). No Porto cresceu percentualmente ainda mais (693%), embora a partir de densidade menor. Com este salto, Lisboa tem mais alojamentos locais que Barcelona, com mais do dobro das pessoas, ou mesmo que Madrid, com quase seis vezes a população da capital portuguesa. Numa freguesia, Santa Maria Maior, esta taxa de ocupação anda pelos 40%. O centro de Lisboa é hoje uma montra para turistas.

O aviso estava na porta

O efeito foi uma persistente subida de preços. A capital já é uma cidade acessível à famosa classe média, tornou-se um espaço para ricos ou sobreviventes, que vai continuando a afastar a sua gente. Por isso, as sondagens não se enganavam: a habitação foi considerada pelos eleitores como o principal problema, o que alguns partidos perceberam, mas muitos ignoraram a amargura pelo afastamento de familiares ou pela impossibilidade de acesso. A fronteira de Lisboa, que é o preço, tornou-se a questão política determinante das eleições.

Ao longo de uma década, fascinado pelo sucesso das receitas turísticas e pelo frenesim de construção de hotéis, o PS festejou esta economia de Disneylândia. Quando se deu conta do problema, em 2019, foi decidida uma “contenção”, que limitou novas autorizações de alojamento local, com resultado negligenciável: o número de apartamentos reduziu-se só em 0,7%. Nem com a paralisação do negócio em pandemia houve qualquer alteração, dado que os proprietários não são pequenos investidores que tivessem de alugar as suas casas, mas fundos imobiliários que podem esperar. O carrossel dos preços recomeçou, no segundo trimestre de 2021 a subida do índice da habitação foi 6,6%.

Noutras cidades, a resposta a esta razia populacional provocada pelo mercado imobiliário tem sido diferente. Em Barcelona há um limite ao alojamento local por prédio, em Amesterdão as casas só podem ser alugadas 60 dias por ano, em Londres 90. Berlim baniu o Airbnb e, no final de setembro, 56% dos berlinenses determinaram em referendo a expropriação municipal dos grandes fundos imobiliários com mais de 3000 fogos, para colocar 240 mil habitações no mercado do arrendamento a preços controlados. Mesmo que a direita e o SPD recusem acatar o referendo e os Verdes estejam divididos, a cidade falou. Em Lisboa, o PS não a quis ouvir.»

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8.10.21

Bloco de Esquerda e OE2022


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Falta de motoristas no Reino Unido

 

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Dizem que é um jornal de qualidade

 


Ex- ou actuais camaradas de Arnaldo Matos: ele fundou a Orfeu e só agora o sei pelo Observador? Está mal…
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O inexplicável silêncio da Igreja portuguesa



 

«As ondas de choque causadas pelas denúncias de abusos sexuais de menores na Igreja Católica abalaram diversos países, mas essa vaga que gerou indignação e protesto e, ao mesmo tempo, estimulou a necessidade de justiça continua ausente de Portugal. Bem pode o Papa Francisco exigir transparência, denúncia e acção para que a Igreja seja capaz de espantar os seus fantasmas, assumir os seus pecados e seguir em frente; bem podem vários bispos reclamar mecanismos eficientes para escutar as vítimas, identificar criminosos, fazer justiça ou restaurar os valores dos evangelhos; bem podem políticos, jornais, magistrados ou crentes recordar que a verdade é virtuosa e a mentira um atentado moral: nada disto serve para que a Igreja portuguesa ou a vizinha espanhola, onde reina um conservadorismo corporativo ainda mais arreigado, se movam em busca da verdade e da justiça.

Agora que o mundo se espanta ainda mais com a dimensão dos abusos praticados pelos clérigos franceses nos últimos 70 anos, é previsível que os mais empenhados e progressistas bispos portugueses pressionem de novo a hierarquia católica a agir. De resto, a Igreja portuguesa só consegue agir sob pressão. E, mesmo assim, age com o ar de quem assobia para as árvores: as comissões diocesanas de protecção de menores não passaram de expedientes oficiosos para coligir o que se sabe e esquecer o que se desconhece. Em França, houve, pelo menos, 216 mil vítimas e, em países onde a Igreja assumiu com coragem a sua responsabilidade pelos abusos, o número de casos atingiu vários milhares, mas a Igreja portuguesa é um mar onde reina a inocência, onde querer procurar crimes é como dissertar sobre a queda de meteoritos (foi o bispo do Porto, Manuel Linda, quem o sugeriu), onde o medo de assumir a verdade instiga a hipocrisia de querer silenciar.

Numa comunidade de humanos enquadrada por uma hierarquia e regida por valores, é normal haver quem queira apenas esquecer o passado. Mas a prevalência desta opinião na Igreja Católica é errada, porque corrói um activo essencial da sua relação com os crentes: o exemplo. Sem um compromisso com a verdade, sem um esforço honesto para a encontrar, sem declarar vergonha pela incapacidade de a revelar, como diz o Papa Francisco, a Igreja degrada-se no seu próprio pântano. Acreditar que a mentira piedosa ou o esquecimento conveniente são geríveis na era da comunicação digital, é uma utopia. No interesse da sociedade, do país e no próprio interesse dos seus membros, a Igreja tem de assumir que tem um problema grave entre mãos. O silêncio, a tergiversação e a hipocrisia só servem para o agravar.»

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7.10.21

O peixe de Lisboa



 

Mercado do Peixe, Avenida 24 de Julho, 1890
Foto de Louis Levy, AML
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Um Parlamento tipo strumpf

 


Quando liguei esta tarde a TV para seguir o Debate Quinzenal no Canal Parlamento, via-se tudo azul como fotografei – só neste canal, em mais nenhum dos que estavam a fazer a transmissão.

Quarenta minutos depois do início, regressaram as cores normais. Mistério que ninguém conseguiu esclarecer…
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7.10.1950 – A invasão do Tibete pela China

 


Um ano depois da criação da República Popular da China, o Tibete foi invadido pelas tropas de Mao Tsé-Tung que assumiu o controlo da região.

A história do que se seguiu é conhecida: em 1959, o Dalai Lama fugiu para a Índia e instalou em Dharamsala o Governo do Tibete no Exílio.

Há refugiados tibetanos espalhados por todo o mundo, com especial relevo para os países mais próximos (Índia, Nepal, Butão) onde comunidades, em geral muito pobres, preservam uma forte identidade cultural e vivem frequentemente de artesanato mais do que rudimentar.

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Um país da luz às trevas

 


«As prioridades dos políticos variam tanto como o sentido do vento. Andámos durante semanas, extraordinariamente coincidentes com a campanha das autárquicas, a ouvir promessas de bonança nas asas da "bazuca" e, quase sem se dar por isso, a discussão do Orçamento do Estado para 2022 entrou na ordem do dia e logo percebemos que, interpretando as prioridades do Governo, afinal, não será bem assim.

Nem a suspensão temporária das regras europeias em matéria de défice e dívida pública, que permitem folga adicional aos países, impediu António Costa de programar um défice de 3,2%, bem próximo já do limite anterior à pandemia (3%).

Os primeiros indicadores auguram, portanto, tempos difíceis para empresas e famílias, até porque - percebe-se pela análise plasmada nas páginas do JN - a prometida revisão dos escalões do IRS parece ter um efeito quase nulo no rendimento disponível dos contribuintes no final do mês.

As metas de João Leão, ministro das Finanças, tornam os próximos tempos de atividade política ainda mais interessantes, uma vez que a contenção orçamental estrangula a capacidade de satisfazer as exigências dos partidos da Esquerda, que neste contexto gostam de aparecer a reclamar o respetivo quinhão de sucesso nas medidas mais populares do documento.

Veremos se o posicionamento de comunistas e bloquistas, os parceiros de uma "geringonça" que no passado funcionou tão bem, se deixa vencer pelo imperativo da contenção orçamental. Seguro é que uma crise política, nesta fase, não agradará a ninguém, restando aos socialistas lançar para a mesa da discussão a meia dúzia de pequenos trunfos que o aperto dos números permite libertar, nada condizentes com a realidade paralela avançada pelos socialistas há tão pouco tempo. Em duas semanas, passamos da luz às trevas, até à próxima campanha eleitoral.»

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6.10.21

Lisboa há muito tempo

 


Campo de Ourique, 1959
(Marina Tavares Dias)
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A frase do dia

 


Confusos? Novilíngua à vista.
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Edgar Morin e Paco Ibáñez

 



«À l'occasion du centième anniversaire d'Edgar Morin, le chanteur espagnol Paco Ibáñez a donné un concert à l'Opéra Comédie ce mardi 28 septembre. À la fin de son concert, le chanteur-poète Paco Ibanez, 85 ans, invite le sociologue Edgar Morin, 100 ans, à venir chanter avec lui une vieille chanson de la République Espagnole.»

Ver mais AQUI.
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Com a faca e o queijo na mão



 

«Vem aí mais um Orçamento do Estado. Num país com as características de Portugal, é um momento de uma importância desmesurada.

Temos um número elevado de funcionários públicos (se incluirmos as suas famílias, são milhões de pessoas cuja qualidade de vida depende dos salários que o Estado paga); temos cada vez mais pensionistas (a maioria sem poupanças dignas desse nome e que dependem, portanto, da solvência e pontualidade da Segurança Social); temos quase dois milhões de pobres (que viveriam na mais absoluta miséria, não fossem subsídios como o abono de família, o rendimento social de inserção ou o complemento solidário para idosos); e temos, finalmente, muitas pequenas, médias e grandes empresas, em particular na região de Lisboa, que dependem do investimento público, dos contratos com o Estado, ou dos salários e subsídios que este paga aos seus clientes.

Para qualquer partido com pretensões a manter o poder, este é, portanto, "o" momento. Sobretudo, quando estamos a meio do ciclo político: depois de eleições autárquicas que apontam para algum desgaste (mesmo que ligeiro) e a dois anos das legislativas. Bem pode o presidente da República pedir uma alternativa forte à Direita (por coincidência a sua área política). Bem pode alertar que o 17 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência não são um "monopólio" do PS.

Quem tem a faca e o queijo na mão é António Costa. Não é preciso ser um génio da análise política para adivinhar que o primeiro-ministro saberá usar a primeira para distribuir o segundo, se não a toda a gente, pelo menos a gente suficiente para garantir, mais do que uma sobrevivência descansada, a reeleição em 2023 (se para aí estiver virado).

Acresce que, ultrapassada a pandemia, a economia volta a crescer. Por comparação (a memória é curta quando o que importa é sobreviver ao dia a dia), será sempre melhor que os últimos dois anos. E está aí a bazuca. Mesmo que o Governo não consiga gastar tudo a tempo (provável), ou que uma parte seja mal gasta (certo), será o suficiente para criar, pelo menos, a sensação de abundância.

Mais do que a "estratégia" que o presidente pede ao PSD e ao CDS, o próximo ciclo depende quase exclusivamente da capacidade de execução (e propaganda) de António Costa.»

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5.10.21

No tempo da Pneumónica

 


Em outubro de 1918, Lisboa não tinha madeira para tantos caixões

Uma longa descrição impressionante!

«A 5 de outubro, a revolução republicana festejou-se dentro de portas. O Governo de Sidónio Pais proibiu manifestações e quaisquer ajuntamentos, "em atenção ao luto de muitos portugueses", como fez publicar nos jornais, e para evitar a propagação do vírus. Não se fez a tradicional parada militar na Avenida da Liberdade e mesmo a anunciada soirée no Coliseu dos Recreios, a favor da Assistência aos Mutilados da Guerra e com um programa condizente (exibição de filmes propagandísticos sobre a Primeira Guerra Mundial e um concerto da banda da Guarda Nacional Republicana), foi cancelada no dia 4. Em alternativa, Sidónio aceitou que se realizasse uma tourada no Campo Pequeno, à qual assistiu no camarote, a uma distância higiénica. (…)

A 7 de outubro, no dia em que Thomaz de Mello Breyner escreveu no seu diário "vamos a ver se escapo", Espanha fechou as fronteiras e só autorizava a entrada no país àqueles que tivessem certificados sanitários previamente avaliados pelo cônsul espanhol em Lisboa. Ricardo Jorge, diretor-geral da Saúde, não gostou da atitude dos espanhóis, mas não se deteve em rebatê-la, preocupando-se antes em procurar locais de acolhimento para as centenas de doentes que entravam todos os dias nos hospitais. Foram também centenas os que morriam quase diariamente. Num só dia, fizeram-se 250 enterros; descobriram-se famílias inteiras mortas nas suas casas; a Direção-Geral dos Hospitais Civis de Lisboa pediu à câmara para que abrisse uma vala comum no cemitério dos Prazeres.»
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Cincos de Outubro

 


Que reine a boa disposição por ser feriado e por a bandeira não ter sido içada de cabeça para baixo esta manhã na CML.

E que recordem os mais velhos que hoje era um daqueles dias em que os portugueses iam a Badajoz comprar caramelos Solano, já que os espanhóis nunca festejaram a nossa República. De passaporte na mão mas sem precisarem de autorização de um ministro se não fossem funcionários públicos, nem dos maridos no caso das mulheres que tinham tido o bom senso de continuar solteiras perante a lei civil ou divina.
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Hoje é o dia

 


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Para que servem os offshores?

 


«O país conhece bem João Rendeiro, e a Justiça também. Ao todo, foi condenado a 18 anos de prisão por burla, branqueamento de capitais e fraude fiscal.

Num desses processos, ficou provado que o ex-banqueiro se apropriou de 13 milhões de euros, através de várias sociedades offshore. Num outro, mais antigo, o Tribunal Constitucional já tinha rejeitado o recurso. No dia em que a terceira sentença foi lida, Rendeiro, que estava em Londres, decidiu não voltar a Portugal.

Até agora, ninguém conseguiu explicar a opção do tribunal que permitiu a um criminoso condenado, e com fortuna escondida, como era do conhecimento público, viajar livremente. Exige-se, portanto, que a decisão seja investigada, e que se encontrem os seus responsáveis.

Uma coisa é certa, a fuga de Rendeiro não é para qualquer um. Note-se que o ex-banqueiro deve em Portugal 2,5 milhões de euros em multas que nunca pagou porque, segundo alega, os seus bens foram arrestados. Ao mesmo tempo, sairá de Londres num jato privado, que o levará a uma qualquer jurisdição onde mantém o acesso à fortuna que roubou.

Para além de uma Justiça que insiste em exibir a sua brandura com os mais ricos e poderosos, nada disto seria possível se as regras da economia fossem outras.

Graças aos Panamá Papers, ficamos a saber do envolvimento de José Miguel Júdice, enquanto representante da sociedade de advogados PLMJ, em dois dos sete offshores de Rendeiro. Ontem, o mesmo consórcio de jornalistas publicou a sua maior investigação de sempre. Os Pandora Papers, "expõem um sistema financeiro sombra que beneficia os mais ricos e poderosos do Mundo".

Com base em milhões de documentos associados a 14 empresas especializadas em offshores, os Pandora Papers revelam como líderes mundiais, celebridades e criminosos de alto gabarito utilizam estes serviços para esconder as suas fortunas, para pagarem menos impostos ou escaparem à justiça.

Estas investigações mostram-nos, outra vez, que o sistema offshore é uma rede mundial que envolve os maiores bancos, os melhores consultores e escritórios de advogados. Cada participante cumpre a sua função na arquitetura de uma estrutura jurídica complexa, desenhada para ocultar os verdadeiros beneficiários de uma fortuna ou escapar às leis de outro país.

Morais Sarmento, vice-presidente do PSD, utilizou uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas para fazer os negócios que a lei moçambicana impedia. Vitalino Canas, do PS, aparece como beneficiário em nome de um cliente da sua sociedade de advogados. Manuel Pinho, ex-ministro do PS, é beneficiário de três entidades offshore. Todos alegam que agiram dentro da lei. O que estão a dizer é que utilizaram meios legais para evitar o cumprimento de uma lei, em algum lugar. O mesmo diria Rendeiro sobre os seus offshores, ou qualquer uma das pessoas expostas nos Pandora Papers.

O que fica por explicar é a vantagem, para os povos, de um sistema que incentiva o crime, o planeamento fiscal agressivo e a impunidade de uma elite que faz fortuna na desigualdade.»

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4.10.21

Mercedes Sosa

 


«Todo cambia» – E, sim, tudo mudou tanto desde 4 de Outubro de 2009, nestes doze anos em que ela já não andou a cantar por este mundo. 

 
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Luis Sepúlveda

 


Chegaria hoje aos 72.
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Marisa Matias

 



Todo o meu respeito por Marisa Matias ter tido a coragem de revelar tudo isto. Eu não seria capaz.
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Mudar para nada mudar



 

«Há pessoas que discutem de forma acalorada as diferenças entre o Facebook, o Twitter, o Instagram ou o Tik Tok. Não quer dizer que cada uma destas redes sociais não tenha singularidades, mas as lógicas que estão na sua base são semelhantes. É como comparar um novo modelo de telemóvel ao anterior. Sim, claro, existem novas funcionalidades, mas em termos gerais não serão muito diferentes.

Pensei nisso na noite das eleições autárquicas quando soube que Fernando Medina havia perdido para Carlos Moedas em Lisboa. Já se sabe que Medina, num primeiro momento, ganhou impulso por causa do turismo de massas, à atracção de investimento estrangeiro e de grandes eventos como motores da “marca” Lisboa. Durante anos, os beneficiários desta estratégia e os que podiam “consumir” esse tipo de cidade aplaudiram-no. A cidade encarada como produto parecia em andamento triunfal. Depois, começaram os efeitos perniciosos do “sucesso”. A especulação imobiliária. A desregulação do mercado. O turismo de massas a transformar-se em monocultura. A expulsão dos que não tinham meios para viver nesse “modelo” de urbe. E a incapacidade de fazer participar os cidadãos nas decisões.

Durante a pandemia, foi-se percebendo que havia uma tentativa de adoptar um discurso mais ameno, na forma como se falava da habitação de custo controlado, nas medidas envolvendo percursos cicláveis que, apesar de nem sempre bem delineados, iam na direcção certa, ou no pensar um turismo mais sustentado, em prol de uma cidade mais compacta, de escala humana, embora a apetecível “cidade de 15 minutos” possa ser pouco inclusiva.

Dir-se-ia que a cidade neoliberal adoptava um rosto mais humano. Mas foi tarde de mais. Pelo enunciado e porque existiu uma estranha gestão de expectativas pelas sondagens que iludiu muitos. O beneficiado foi Moedas. Um telemóvel com algumas novas funcionalidades que ninguém ainda percebeu muito bem como vão operar (como a proposta de eliminação da barreira ferroviária entre Algés e o Cais do Sodré), mas que em termos gerais se baseia nos mesmos equívocos. Ou seja, as grandes mudanças anunciadas (a “amazing city”, a “smart city”, ou os enunciados da inovação, do empreendorismo e da captação de talento e investimento estrangeiro em ligação com o local) são baseadas em paradigmas (restos das “cidades criativas” dos anos 1990) que foram sendo questionados desde a crise económica de 2008, inclusive em cidades que já sofreram os mesmos efeitos que Lisboa (como Barcelona ou Berlim) e que nos últimos anos têm procurado outros caminhos.

Porquê? Simples. Porque as condições estruturais que reproduzem hoje as grandes desigualdades não só não são atenuadas dessa forma, como são muitas vezes reforçadas. Há algumas ideias avulsas, mas sem uma noção de conjunto, de interacção entre vários temas. A tentativa de resolução dos problemas da mobilidade ou da habitação não vai lá com medidas suavizantes, como as benesses fiscais ao nível dos créditos bancários para jovens, como prometeu Moedas. São necessárias políticas bem mais profundas, onde a defesa do bem comum e do interesse público seja prioritário.

Na verdade, nada de substancial do que estava errado parece ir mudar, como o pós-pandemia já está a expor e quem anda agora à procura de apartamento — como é o meu caso — já percebeu. Cada vez mais viver na cidade não significa ter direito a ela para uma larga fatia de cidadãos. Pelos indícios deixados pela campanha eleitoral, não será a política a inverter o rumo dos acontecimentos. Tudo indica que Lisboa continuará a estar em promoção, um rótulo que fica bem exibir pelas elites económicas locais e globais que a ela podem aceder.»

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3.10.21

Greve muito antiga

 


Greve das Varinas, 1913.
Foto de Joshua Benoliel/Arquivo Municipal de Lisboa
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As patetices com que a direita se diverte

 


Como se o problema do país fosse ter um governo estalinista!
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Guterres não está a exagerar

 

«Ao ler o discurso de António Guterres na abertura da 76.ª Assembleia Geral da ONU, ocorre-me uma sugestão aos professores do Ensino Secundário e Superior: encontrem forma de o distribuir aos alunos, com pedido de leitura e, em cada turma, descubram uma aula apropriada - cabe na maior parte das disciplinas - onde possa ser feita uma pequena reflexão e discussão sobre ele.

O seu conteúdo não é um rol de más notícias de um arauto da desgraça, mas sim a identificação de uma parte significativa de problemas que a sociedade humana deve encarar.

Na sua qualidade de Secretário-Geral da mais importante instituição mundial, afirmou que, "O nosso Mundo está à beira de um precipício e caminha na direção errada. Nunca esteve tão ameaçado, nem tão dividido". Parece-me que não exagerou, mas a frase vai ser deitada para o caixote do lixo. Os grandes poderes económicos e financeiros, que se alimentam das divisões e de empurrar contínuo de milhões de seres humanos para o precipício, estão em condições de dizer "os cães ladram, a caravana passa". Além disso, foi bem evidente que muitos países têm, em altos cargos do Estado, irresponsáveis e oportunistas de várias matizes e até autênticos facínoras políticos, como Bolsonaro.»

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Não gosto muito de te ver ao Sol, Leãozinho

 


«Pedro Nuno Santos resolveu dar uma nova vida à bela música de Caetano Veloso, Leãozinho. Não basta chegar-se ao Governo entronizado por Mário Centeno para, de seguida, se continuar a usar a mesma receita de sucesso sine die. Portugal ora tem uma divida escondida, ora tem uma dívida de investimento por fazer. Centeno havia sido perito nessa estratégia: gastar pouco, gastar cada vez menos, não pagar. Em 2015 compreendia-se: precisávamos de nos credibilizar junto das agências de rating. Bom, ok, essa estratégia precisava de uma consolidação. Tempo. E assim se passaram quatro anos até termos chegado ao momento de magia: o superavit orçamental de 2019. Entretanto, surge a pandemia e as contas foram por água abaixo. Agora regressamos à (dura) realidade. Voltaram as cativações e outros esquemas. O Estado não falha no SNS nem nas prestações sociais de apoio covid, mas quanto ao resto, é a discricionariedade habitual das Finanças. E é aqui que entra a CP e Pedro Nuno Santos.

Num país decente, a notícia de que apenas nos dois meses de Verão tinham sido suprimidos dois mil comboios, obrigaria a um abalo político. Isso não acontece porque quem usa os comboios não tem voz na sociedade. A supressão de comboios deveu-se a greves, falta de maquinistas, mas também em 10% por avarias no material circulante. Ora, sabemos que o eterno caos da CP fez mais pela rodovia que o famoso ónus das ""estradas a mais". Só quem não tem mesmo alternativa quotidiana apanha o incerto comboio. Mas há que mudar este paradigma. E isso exige coerência.

O ministro das Infraestruturas disse finalmente esta semana à imprensa o que tem dito dentro do Governo: o faz-de-conta tem de acabar. Porque se a CP continuar a funcionar intermitentemente, então por favor poupem o dinheiro e ofereçam um carro elétrico a cada família. As estradas já cá estão e é capaz de ficar mais barato.

A pergunta, subjacente às críticas de pedro Nuno Santos, é cristalina: pode uma empresa como a CP chegar a Outubro sem o plano de atividade aprovado? As Finanças fazem sistematicamente isto para não se comprometerem porque, quando aprovam, têm de enviar o dinheiro (e mesmo assim, demora, demora...). Mais: ao aprovarem os planos de atividades, dão cobertura legal às despesas. Já se os colocarem durante meses na gaveta, como sucedeu agora, sabem que os administradores ficam bloqueados e sem legitimidade para contratar investimentos.

Ora o método das Finanças tem um preço, ainda que ele não entre diretamente no défice: a produtividade e saúde dos milhares de portugueses que vivem na incerteza do comboio aparecer ou não à hora certa. E isto multiplica-se em tudo o que envolve empresas públicas, ministérios e pagamentos do Estado. Viver por dentro desta sistemática desorçamentação provoca uma frustração permanente - e o presidente da CP decidiu bater com a porta para não continuar entalado pela máquina compressora que é gerir uma empresa dependente do ministro do Terreiro do Paço.

Isto é igualmente verdade nos fundos comunitários. Há associações empresariais que estão à espera de pagamentos devidos em... 2015. Entretanto, chegou a "bazuca", o "Portugal 2030", mas o Governo não agiliza a máquina de candidaturas na economia porque só se foca nas que permitem exibir obra política para 2023.

Dr. Leão, sabemos que não vai ser o senhor, como tecnocrata, a acabar com este faz-de-conta. Mas António Costa tem de tentar a coerência. As cativações, ostracizações e outros "ões" são apenas desorçamentações da realidade. Portanto, paguem o que devem. Limpem o passivo. Há melhor momento que este?»

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